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Saúde

Um terço da humanidade enfrenta ondas de calor mortais

Em 2100, até 48% da população correrá o risco de morrer por causa das altas temperaturas

Um terço da população mundial está exposta a condições climáticas que produzem ondas de calor mortais devido à acumulação de gases do efeito estufana atmosfera, e isso torna “quase inevitável” a ocorrência de mortes por altas temperaturas em vastas áreas do planeta. E as previsões para o futuro são ainda piores: a cifra chegará a 48% da população até 2100, mesmo que as emissões desses gases sejam reduzidas. Essas são as principais conclusões de um estudo realizado por geógrafos da Universidade do Havaí (EUA) que analisaram mais de 1.900 casos de mortes relacionadas ao calor nas últimas quatro décadas em 36 países.

“Foi um choque encontrar tantos casos”, conta por email Camilo Mora, principal responsável pela pesquisa. “Tínhamos estudado algumas ondas de calor como a que assolou a Europa em 2003, mas encontrar tantos registros de pessoas que faleceram devido a altas temperaturas em todo o mundo foi assombroso.”

O estudo, publicado na revista Nature Climate Change, mostra que o risco geral de doenças ou mortes relacionadas ao calor aumenta constantemente desde 1980, devido à mudança climática. Os cientistas analisaram as condições de calor e umidade durante os episódios letais, a fim de estabelecer um limite acima do qual as circunstâncias se tornam mortais, como em 2003. Aquela onda de calor, nos meses de julho e agosto, foi apontada como sendo direta ou indiretamente responsável por 13.000 mortes na Espanha, segundo os cálculos do Instituto Nacional de Estatística (INE), que comparou esses dados com as mortes no mesmo período de 2002 e 2004. A mesma onda de calor causou aproximadamente 20.000 mortes em toda a Europa, segundo as cifras oficiais (um estudo posterior elevou o número a 70.000). O estudo também menciona a onda de calor de 2010 em Moscou, quando quase 10.000 pessoas morreram.

Os pesquisadores observam, porém, que as disfunções devidas ao calor não ocorrem somente durante as ondas maciças, mas sempre que se dá uma combinação entre um alto nível de umidade e temperaturas elevadas. “Existem casos de pessoas que morreram sob uma temperatura de 23 graus”, afirma Mora. A causa é a hipertermia, um excesso de calor corporal que pode gerar insolação e inflamações. “O suor não evapora quando há muita umidade, e o calor então se acumula no corpo”, explica o cientista.

As regiões tropicais, naturalmente bastante úmidas e com temperaturas elevadas, são as mais suscetíveis de ter de enfrentar ondas de calor. E, embora “qualquer um possa morrer” nessas circunstâncias, segundo escrevem os pesquisadores, os idosos são mais vulneráveis. “Seus corpos podem ceder a qualquer momento em situações assim. Uma onda de calor é como um teste de resistência em que muitos de nós serão reprovados”, diz Mora.

O estudo registra que as temperaturas elevadas e as condições de seca se exacerbaram nas áreas urbanas por causa da retirada das árvores, que proporcionam sombra e umidade refrescante. Mora faz questão de dizer que, embora medidas paliativas, como os alertas lançados pelo governo e o uso crescente de ar condicionado, tenham ajudado a reduzir o número de mortes, elas não são soluções viáveis no longo prazo. “O mais importante é prevenir novas ondas de calor. Temos de construir menos, emitir menos gases de efeito estufa e plantar árvores para refrescar as cidades”, defende ele. Para o geógrafo, as opções de que a humanidade dispõe para enfrentar as ondas de calor estão entre “ruins e terríveis”.

http://brasil.elpais.com/brasil/2017/06/20/ciencia/1497948259_516390.html

Entrevista

“A edição genética poderia criar uma classe social superior”

Oncologista que ganhou Pulitzer reflete sobre como genética vai acabar com o mundo que conhecemos

O que acontece quando uma máquina aprende a ler e escrever seu próprio manual de instruções? Esta é a pergunta que Siddhartha Mukherjee (Nova Délhi, Índia, 1970), vencedor do prêmio Pulitzer em 2010 por sua biografia do câncer: O imperador de todos os males (Companhia das Letras) quer responder com seu último livro. Em O gene: uma história íntima (Companhia das Letras), este oncologista entrelaça três narrativas como em uma tripla hélice: uma pessoal, em torno de sua própria família, afetada por doenças mentais hereditárias; uma história que acompanha os cientistas e as experiências que deram origem à genética moderna; e uma chamada de atenção sobre como as tecnologias derivadas desse conhecimento podem mudar a sociedade, e a discussão necessária para que não tenhamos de nos arrepender do que aprendemos.

No início deste mês, no maior congresso de câncer do mundo, em Chicago, Mukherjee propunha em uma conferência diante de milhares de médicos um exemplo concreto da relevância dessa discussão. Os testes genéticos permitiram descobrir mutações que podem predispor a sofrer um tumor e em muitos casos melhorou o prognóstico. No entanto, também corre-se o risco de transformar o câncer em uma instituição total na qual o paciente é “constantemente vigiado” e a quem se recorda com frequência demais a ameaça da morte. É um caso em que o conhecimento do genoma pode condicionar a forma de viver nossa vida.

Pergunta. Os nazistas utilizaram a poderosa ideia da genética para justificar seus delírios de limpeza racial e os soviéticos a rechaçaram, negando toda evidência científica, porque a consideravam uma ideia burguesa. Você reconhece agora o uso dessa ideia científica como justificativa para determinadas ideologias?

Resposta. A eugenia privatizada não é diferente da imposta pelo Estado. Só mudam os atores. Um dos últimos desenhos no livro [em que aparece uma família chinesa que só tem filhos homens] mostra o que acontece às populações humanas quando se privatiza a capacidade das pessoas de tomar decisões sobre as características genéticas de seus filhos. Que tenhamos desmantelado a eugenia estatal não significa que não sejamos capazes de propor as mesmas escolhas individualmente, e é igualmente perigoso.

P. Se conseguimos desenvolver uma tecnologia para melhorar os humanos, tornando-os mais inteligentes ou mais bonitos, é possível evitar que as pessoas façam isso com seus filhos?

R. Acho que estamos rumando lentamente para uma nova era. Há três meses, a Academia Nacional de Medicina dos EUA tomou uma decisão muito interessante e muito importante. Estava-se debatendo se as alterações genéticas podiam ser permitidas em espermatozoides, óvulos e embriões humanos. Até agora, no Ocidente, decidimos que a engenharia genética é aceitável em células humanas desde que não mude permanentemente o genoma humano. Se em seu corpo você muda as células do sangue ou os neurônios ou as células do câncer, tudo isso não faz com que as mudanças se tornem parte permanente do genoma humano.

Com Crispr [uma nova ferramenta de edição do genoma] e outras tecnologias estamos chegando ao ponto em que podemos nos perguntar se deveríamos editar o genoma humano de forma permanente. E a academia decidiu permitir isso. Mas há algumas limitações. A primeira, a de que deveria haver uma relação causal entre o gene e o objetivo que tentamos alcançar. A maioria dos traços humanos têm sua origem em vários genes, efeitos ambientais, o acaso… Mas alguns são muito autônomos e para essas doenças em que há uma causa direta entre gene e a doença poderíamos tornar essas mudanças permanentes.

A segunda limitação é mais complicada. Diz que se permitiria realizar essas mudanças se houver um sofrimento extraordinário que se quer evitar. Mas sofrimento extraordinário segundo quem? Quem vai estabelecer os limites? É um sofrimento extraordinário ser mulher em uma sociedade em que se pode enfrentar uma discriminação pavorosa? Definiríamos o sofrimento extraordinário segundo uma doença? Ou perguntando às pessoas se estão sofrendo, se querem continuar vivendo assim? É uma decisão muito complicada e no fim tem a ver com quem somos, com como nos definimos.

P. No livro, você fala dos problemas mentais hereditários que sofreu em sua família. Se tivesse a possibilidade de eliminar esse problema com edição genética, o faria?

R. Não tenho nenhuma dúvida de que no futuro será possível encontrar uma relação entre doenças como a esquizofrenia ou o transtorno bipolar e talvez 10 ou 20 variantes de genes que, combinados, podem predizer que o risco de alguém sofrer essas doenças se multiplica por 10 ou 20. Uma vez que começarmos a conhecer essas combinações, o que vamos fazer?

Imagine um experimento no qual sequenciamos 10 ou 15 milhões de genomas humanos e, depois, para cada um desses 15 milhões, registramos as vidas dessas pessoas. Em seguida utilizamos técnicas de computação para cruzar essas informações e começamos a entender bem como essas combinações de genes – ou até mesmo a combinação desses genes com fatores ambientais – aumentam ou diminuem o risco de sofrer determinadas doenças. No final, você pode imaginar como em uma família como a minha 10 variantes genéticas em combinação multiplicam por 10 o risco de uma doença terrível. Você sequenciaria o genoma de seus filhos para ver qual carrega esse risco?

P. Se eu puder fazer algo a respeito, seguramente sim. Se não, preferiria não saber. Já fazemos isso com a síndrome de Down, mas poderíamos começar a descartar particularidades genéticas muito mais sutis.

R. Depende do que você considere poder fazer algo a respeito ou mudar algo. Uma das possibilidades, que teremos à disposição logo, pode ser algo como selecionar embriões e só implantar aqueles que não têm determinadas combinações de genes.

P. Mas já fazemos isso. Quase não nascem mais pessoas com síndrome de Down.

R. Verdade. Já fazemos isso com as trissomias [presença de três cromossomos e não dois como seria o normal], mas poderíamos fazer com particularidade genéticas muito mais sutis. Acho que só veremos isso daqui a 10 ou 15 anos.

P. E você concorda com isso?

R. Não estou seguro de que tenhamos nem a compreensão científica nem humanística do que vai acontecer uma vez que comecemos a adotar essas tecnologias. Acredito que o público crê que os genes produzem características, que são iguais a características, e claramente esse não é o caso. Agora sabemos que para a maioria das características humanas o normal é que vários genes ajam em conjunto e que o ambiente desempenhe um papel muito importante. Tampouco creio que tenhamos uma compreensão humanística sobre o tipo de mundo em que viveremos uma vez que começarmos a levar a cabo esse tipo de manipulação. O que aconteceria se essas tecnologias só estivessem disponíveis para os ricos? Teríamos uma sociedade que não só estaria dividida por uma brecha econômica como também as novas tecnologias criariam uma subclasse genética. Me parece que o perigo é enorme. Não sou pessimista sobre o poder de utilizar essas tecnologias genéticas tão potentes para curar doenças, mas também creio que todos nós deveríamos parar para pensar antes de avançar com demasiada rapidez em direção a esse futuro.

P. Quando se fala de edição genética, parece aceitável empregá-la para curar uma doença, mas há mais dúvidas se a intenção é melhorar alguém que já está bem.

R. O que você está perguntando é onde está a fronteira entre a doença e a normalidade. Essa linha mudou durante nossa própria vida. A homossexualidadeera considerada uma doença até pouco tempo atrás. Vinte anos depois, no ocidente, percebemos que é fundamentalmente uma variação humana. Em muitas sociedades ainda é considerada uma doença e você pode ser morto por causa disso. As linhas entre a normalidade e a doença são flexíveis. A pergunta é como começaremos a saber o que significa um sofrimento extraordinário para você. Quem pode definir isso? O Estado vai fazer uma lista. As linhas são flexíveis. Quem vai delimitá-las?

Não conheço as respostas mas sei que não cabe aos cientistas responder a essas perguntas sozinhos. Estamos capacitados para desenvolver uma tecnologia, para explorar a natureza e criar novas tecnologias. Mas não estamos preparados para compreender as imensas implicações dessas tecnologias, particularmente do genoma humano, que é o que mais temos de humano. Nossa decisão para intervir nisso não pode ser tomada apenas por cientistas. Tem que ser um processo político muito mais amplo. E para fazer isso precisamos do vocabulário, dos antecedentes, da história, e precisamos compreender as limitações e pensar sobre o futuro. É disso que o livro fala.

P. Jennifer Doudna, uma das criadoras do sistema de edição Crispr, disse ser uma sorte o fato de não conhecermos em detalhes a origem genética de traços complexos como a inteligência, porque isso tornaria impossível um programa de melhoria humana. Há conhecimentos que é melhor não obtermos?

R. Eu também tenho um conflito com essa pergunta. Acho que dizer que certo conhecimento é perigoso leva imediatamente alguém a buscá-lo e disseminá-lo, o que o torna mais sedutor. Por outro lado, creio que há ideias que são fundamentalmente perigosas, e precisamos de uma compreensão profundamente humanística dessas ideias antes de começarmos a explorá-las como se fosse algo sem maior relevância.

Um exemplo: a inteligência é um conceito popular com uma longa história, que em parte também é depreciável. Depreciável porque uma das capacidades que os nazistas queriam medir e melhorar era justamente essa. Mas agora é um conceito popular, o utilizamos em conversas informais. Quando os cientistas utilizam a palavra inteligência, têm que pegar esse conceito e fazer um código e convertê-lo em algo que se possa definir e medir. No momento em que dissermos que a inteligência é algo sobre o que não se pode falar, alguns cientistas dirão: ‘Não, vou estudar justamente esse problema’.

O que quero fazer com esse livro é dar um passo atrás e pensar na linhagem desse conceito popular do gene, de onde ele vem, como se utilizava no passado, se estamos utilizando com precisão quando um cientista transforma esse conceito popular em uma medida.

Minha ideia não é restringir o conhecimento, não acredito nisso. Minha ideia é explorar desde o fundamental como obtemos o conhecimento, o que significam as palavras. Para que quando comecemos a utilizar palavras como inteligência, reconheçamos que há uma história por trás do uso dessa palavra na ciência, e que se vamos ter um debate público pediria que paremos um segundo e falemos sobre a transformação de um conceito popular em uma medida científica. Porque se não reconhecermos essa transição, cometeremos muitos erros horríveis. Não quero restringir o conhecimento, mas sim reconhecer a anatomia do conhecimento.

http://brasil.elpais.com/brasil/2017/06/21/ciencia/1498043819_239938.html

Ciência

Grupo investiga como a restrição de calorias beneficia o funcionamento celular

20 de junho de 2017

Karina Toledo  |  Agência FAPESP – Controlar o consumo de calorias no dia a dia é uma forma comprovada de evitar não só a obesidade como também diversas complicações relacionadas à idade, como diabetes, doenças do coração e do cérebro. Trata-se, portanto, de uma estratégia eficaz para aumentar a longevidade.

Em um laboratório sediado no Instituto de Química (IQ) da Universidade de São Paulo (USP), um grupo coordenado pela professora Alicia Kowaltowski investiga, em modelos animais, os mecanismos moleculares desencadeados pela intervenção dietética que resultam na melhora do funcionamento de órgãos importantes para o metabolismo, como pâncreas, fígado e até mesmo o cérebro.

“Dizer para as pessoas simplesmente comerem menos não está funcionando. A obesidade se tornou uma epidemia mundial. Temos tentado entender como a restrição calórica age no organismo e quais são as moléculas envolvidas, para encontrar alvos que permitam prevenir ou tratar doenças relacionadas ao ganho de peso e à idade”, disse Kowaltowski, que integra a equipe do Centro de Pesquisa em Processos Redox em Biomedicina (Redoxoma) – um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPIDs) da FAPESP.

De acordo com Kowaltowski, os experimentos realizados até o momento mostraram que a restrição calórica em animais de laboratório causa efeitos muito específicos nos diferentes órgãos. No pâncreas, por exemplo, torna as células produtoras de insulina capazes de responder melhor ao aumento na taxa de glicose do sangue.

Para chegar a essa conclusão, os pesquisadores realizaram testes com culturas de células beta – que ficam nas ilhotas pancreáticas e são responsáveis pela produção de insulina. Em vez de nutrir as células cultivadas in vitro com soro sanguíneo comercial, como de costume, foi usado material extraído de dois grupos de ratos submetidos a diferentes dietas.

O grupo controle se alimentou à vontade durante as 26 semanas anteriores ao experimento e se tornou obeso, como normalmente ocorre em casos com confinamento. Os outros animais foram submetidos durante o mesmo período a uma dieta com cerca de 60% das calorias em média consumidas pelos roedores liberados para comer sem restrições.

“A secreção de insulina pelas células beta deve ser pequena em uma condição de baixa glicose e aumentar em uma condição de glicose elevada. E isso de fato acontece com as células tratadas com o soro dos animais submetidos à restrição calórica, mas não com as que receberam o soro de animais obesos. Há algum fator circulante no sangue que modifica de forma aguda o funcionamento das células beta e essa pode ser uma das alterações que acontecem no diabetes tipo 2”, disse Kowaltowski.

Como a secreção de insulina depende da disponibilidade de ATP (adenosina trifosfato, molécula que armazena energia) na célula, os pesquisadores levantaram a hipótese de que o fenômeno observado estaria relacionado com as mitocôndrias – as “usinas” de energia das células.

“Ao medirmos o consumo de oxigênio pelos dois grupos de células, observamos que ele estava diferente. A respiração – que é a responsável pela liberação de insulina quando temos alta de glicose – é maior nas células que receberam o soro dos animais submetidos à restrição calórica. Essas células, portanto, geram mais ATP diante da alta na taxa de glicose”, contou a pesquisadora.

Por meio de experimentos com corantes fotossensíveis, o grupo descobriu que as mitocôndrias das células tratadas com o soro dos animais submetidos à restrição calórica trocavam mais material genético entre si e, de algum modo, isso as tornava mais eficientes.

“As mitocôndrias não são organelas estáticas e nem sempre têm aquele formato de amendoim que vemos nos livros. Estão continuamente se fundindo [duas viram uma só] e se dividindo [uma dá origem a duas] e isso é importante para remover organelas que não estão funcionando adequadamente e também para trocar enzimas e DNA”, explicou Kowaltowski.

Para confirmar que o intercâmbio de material mitocondrial seria a causa primordial na diferença observada na produção de insulina, o grupo repetiu o experimento com o soro dos dois grupos de animais – mas desta vez usando células beta incapazes de produzir a proteína mitofusina-2 (Mfn-2), importante no processo de fusão mitocondrial.

Como esperado, tanto as células que receberam o soro dos animais obesos quanto as que receberam soro dos animais submetido à restrição passaram a responder mal ao aumento na taxa de glicose, ou seja, a restrição calórica perdeu o efeito protetor sobre o pâncreas. Os resultados foram publicados no The FEBS Journal, da Federation of European Biochemical Societies. O trabalho contou com a participação central de Fernanda Cerqueira, ex-bolsista da FAPESP e, atualmente, pesquisadora da Boston University, nos Estados Unidos.

“Basicamente, o que estamos propondo é que existe um fator circulando no sangue dos animais submetidos à restrição calórica que é o responsável por esse efeito no funcionamento mitocondrial das células beta. Mas ainda não sabemos que fator é esse. Serão necessários novos estudos”, disse Kowaltowski.

Resultados da pesquisa foram apresentados por Kowaltowski no dia 18 de maio durante o Workshop Healthy Ageing Opportunities, realizado no Expo Center Norte durante a Feira+Fórum Hospitalar 2017. O evento foi organizado no âmbito de um acordo firmado entre a FAPESP e a Organização Holandesa para a Pesquisa Científica (NWO) para fomentar a cooperação científica e tecnológica entre pesquisadores da Holanda e de São Paulo.

Em um trabalho anterior, com participação do bolsista de pós-doutorado Ignacio Amigo, o grupo mostrou que uma redução de 40% nas calorias da dieta dos roedores aumenta a capacidade da mitocôndria de captar cálcio em algumas situações nas quais o nível desse mineral no meio celular encontra-se patologicamente elevado. No cérebro, isso pode ajudar a evitar a morte de neurônios associada a doenças como Alzheimer, Parkinson, epilepsia e acidente vascular cerebral (AVC), entre outras.

Atualmente, o doutorando Sergio Menezes investiga o efeito da restrição calórica no fígado, onde o cálcio também atua como sinalizador celular. “Observamos o mesmo efeito: no contexto de restrição calórica, as mitocôndrias conseguem captar mais cálcio e, nos experimentos com animais, isso protegeu as células contra os danos causados por isquemia. A mitocôndria parece ser, de fato, o segredo para o envelhecimento saudável”, disse Kowaltowski.

Novo programa de pesquisa

Durante a abertura do Workshop Healthy Ageing Opportunities, o diretor científico da FAPESP, Carlos Henrique de Brito Cruz, lembrou que desde 2012 a Fundação mantém com a NWO um acordo que possibilita o financiamento conjunto de projetos de pesquisa que reúnem pesquisadores paulistas e holandeses.

“A ideia desta sessão é mostrar resultados recentes obtidos tanto aqui em São Paulo como na Holanda nesse tema tão importante que é o envelhecimento saudável”, disse.

Ruben Sharpe, responsável pelas políticas da NWO, afirmou que esperava com o evento atrair as fundações para um novo programa de pesquisa conjunto. “Um programa para continuar a gerar conhecimento sobre este importante tópico e para construir uma rede duradoura, para que possamos usar esse conhecimento em ambos os países.”

“Aqui no Brasil, assim como na Holanda, a população está envelhecendo. A expectativa de vida na última década aumentou bastante e ficamos ativos por mais tempo. Portanto, quando olhamos a colaboração científica entre os dois países este é um dos principais tópicos”, ressaltou Bas van den Dungen, vice-ministro da Saúde no Ministério Holandês de Saúde, Bem-Estar e Esporte.

Carlos Eduardo Negrão, membro da coordenação adjunta de Ciências da Vida da FAPESP, observou que os recentes avanços nas ciências da saúde, como novos métodos diagnósticos e medicamentos, melhoraram o tratamento de doenças com grande impacto na longevidade. “No entanto, esses avanços não necessariamente representam uma melhora na qualidade de vida. O envelhecimento saudável é um dos maiores desafios atuais”, avaliou.

Entre os palestrantes estavam a professora da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Claudia Bauzer e Albert Mons, da Dutch Techcenter for Life Sciences, que abordaram os desafios e oportunidades do uso de big data em pesquisa na área da saúde.

Iscia Lopes Cendes, também da Unicamp, apresentou dados da Brazilian Initiative on Precision Medicine (BIPMed), que criou o primeiro banco público de dados genômicos da América Latina.

Também participaram das discussões os holandeses Wilco Achterberg, do Leiden University Medical Center, e Erik Boddeke, do University Medical Center Groningen.

http://agencia.fapesp.br/grupo_investiga_como_a_restricao_de_calorias_beneficia_o_funcionamento_celular/25505/

Ciência

Fumar enfraquece gene que protege as artérias, mostra estudo nos EUA

Cientistas reuniram dados genéticos de mais de 140 mil pessoas, usados em em mais de 20 pesquisas anteriores.

Fumantes correm mais riscos de sofrer obstrução arterial porque o tabagismo debilita um gene que protege estes importantes vasos sanguíneos, alertaram cientistas americanos.
Suas descobertas apontam a uma explicação genética de como fumar pode levar ao acúmulo da placa que endurece as artérias e causa doenças cardíacas, segundo informe divulgado na revista Circulation.

“Este foi um dos primeiros grandes passos rumo à resolução do complexo quebra-cabeça das interações genético-ambientais que levam a doenças coronarianas”, disse o coautor do estudo, Danish Saleheen, professor assistente de bioestatística e epidemiologia da Perelm School of Medicine, da Universidade da Pensilvânia.

Os cientistas reuniram dados genéticos de mais de 140 mil pessoas, administrados em mais de duas dezenas de estudos anteriores, com foco particular em regiões do genoma previamente associadas com alto risco de acúmulo de placa nas artérias cardíacas.

“Uma mudança em uma única ‘letra’ do DNA no cromossomo 15, perto do gene que expõe uma enzima (ADAMTS7) produzida nos vasos sanguíneos, foi associada com 12% de redução do risco em não fumantes”, destacou o informe.

“No entanto, os fumantes com a mesma variação tiveram apenas 5% menos risco de doenças coronarianas, reduzindo em mais da metade o efeito protetor desta variação genética”, indicou-se.

Estudos científicos de acompanhamento mostraram que nas células que recobrem as artérias do coração humano, a produção da enzima ADAMTS7 diminuiu significativamente quando as células continham esta variante do DNA de uma única letra.

http://g1.globo.com/bemestar/noticia/fumar-enfraquece-gene-que-protege-as-arterias-mostra-estudo-nos-eua.ghtml

Saúde

Por que os cientistas falam em uma epidemia de miopia – e qual a sua origem

Especialistas estimam que, em 2050, a metade da população mundial será míope; vida moderna “enclausurada” é apontada, junto à genética, entre as principais causas do problema.

Nos últimos 50 anos, o número de pessoas míopes duplicou. Estima-se que em 2020 um terço da população mundial terá o problema na visão, em 2050, a metade.

“Estamos em meio a uma epidemia global de miopia”, disse o médico Earl Smith, professor de desenvolvimento da visão e decano da Faculdade de Optometria da Universidade de Houston, nos Estados Unidos.

E essa epidemia tem mais incidência entre os jovens do leste da Ásia, em países como China e Coreia do Sul, onde o problema afeta quase 90% dos estudantes que concluem o Ensino Médio.

Em outras regiões do mundo, embora os números não sejam tão alarmantes, a condição também avança.

As pessoas míopes podem ver claramente os objetos que estão próximos, mas não conseguem focar objetos distantes.

Ela ocorre quando o globo ocular cresce demais e fica maior do que o normal. Essa condição visual costuma se manifestar quando as crianças estão em idade escolar e piora gradualmente até que o globo ocular complete seu crescimento.

Se não for detectado e corrigido com lentes, a miopia pode progredir e, com o tempo, aumentar significativamente o risco de catarata, glaucoma, desprendimento da retina e maculopatia míope.

Além disso, está entre as três primeiras causas de cegueira permanente no mundo.

Qual é a causa?

Os especialistas acreditam que a genética tenha um papel no desenvolvimento da miopia, mas não é o único fator.

“Há algo em nosso comportamento e nosso ambiente que está contribuindo para o aumento de casos de pessoas míopes”, garante Smith, que recebeu financiamento de US$ 1,9 milhão (R$ 6,3 milhões) exatamente para investigar as causas e estratégias de tratamento.

Muitos estudos mostram que as pessoas que passam mais tempo ao ar livre são muito menos propensas a desenvolver miopia que aquelas que permanecem a maior parte do dia entre quatro paredes.

“A demanda educacional cada vez mais exigente e o fato de se passar mais tempo em espaços fechados são fatores que contribuem para que uma pessoa se torne míope”, acrescenta Smith.

“Na Ásia, entre 80% e 95% dos jovens que terminam o Ensino Médio nas zonas urbanas têm miopia, e já evidências fortes de que o índice também está aumentando nos Estados Unidos e na Europa”, disse ainda o especialista, um dos líderes no tema.

“Nas situações em que há uma expectativa educacional alta, é mais provável que as pessoas desenvolvam miopia. Considere nossos próprios estudantes de optometria como exemplo: aproximadamente metade se torna míope durante os quatro anos de estudos aqui”, contou o professor da universidade de Houston.

Smith e sua equipe estão agora se debruçando sobre os fatores ambientais, como a exposição a certos tipos de luz, que podem ter um impacto sobre o crescimento do globo ocular que leva à miopia.

O que podemos fazer?

A miopia não tem cura nem é reversível, mas o uso de óculos pode impedir ou desacelerar o avanço da condição.

Também há cirurgia com laser que altera a forma do globo ocular para corrigi-lo, embora esse procedimento não seja recomendado em crianças ou jovens que ainda estão em processo de crescimento.

A maioria dos pesquisadores concorda que estimular crianças a brincar ao ar livre ajuda a reduzir o risco de desenvolver o problema.

Também há estudos mostrando que, ao brincar ao ar livre, a miopia infantil pode avançar num ritmo mais lento.

Os especialistas acreditam que isso tem a ver com o fato de que os níveis de luz no exterior são muito mais altos que no interior.

Por outro lado, passar muito tempo focando a vista em objetos muito próximos, como lendo, escrevendo ou usando dispositivos portáteis como celulares, tablets ou laptops, pode aumentar o risco miopia, segundo o NHS, o serviço público de saúde britânico.

Ciência

Cientistas criam substância que bronzeia sem tomar sol e sem risco de câncer

Após dez anos de esforços, pesquisadores descobriram uma substância capaz de penetrar na pele e bronzeá-la sem a necessidade de exposição aos raios ultravioleta do sol, reduzindo assim o risco de desenvolver um câncer de pele.

Diferentemente dos cremes autobronzeadores tradicionais, que só colorem a camada superficial da pele, esta molécula age estimulando as células que produzem pigmentos, cujo papel é absorver as radiações ultravioleta, explicam os pesquisadores.

Segundo o estudo publicado nesta terça-feira na revista científica americana Cell Reports, a nova molécula ainda precisa ser submetida a testes pré-clínicos para saber se é segura para os humanos.

Esta substância, aplicada como um creme, permitiu bronzear a epiderme de ratos de pelo vermelho que, assim como os humanos, são suscetíveis a desenvolver um câncer de pele como consequência da exposição aos raios ultravioleta.

Os cientistas logo descobriram, porém, que esta molécula não podia penetrar na pele humana. Por não estar protegida por uma camada de pelo espessa, a epiderme humana evoluiu ao longo do tempo para desenvolver proteções contra o frio, o calor e as radiações ultravioleta, entre outros.

“A pele humana é uma barreira formidável, difícil de penetrar”, explica o autor principal do estudo, David Fisher, chefe do serviço de dermatologia do hospital americano Massachusetts General e professor da faculdade de medicina de Harvard.

“Dez anos depois, encontramos uma solução. É uma classe diferente de compostos, que funcionam agindo sobre uma enzima diferente que converge no mesmo caminho que leva à pigmentação”, disse.

Os cientistas testaram estas moléculas em amostras de pele humana em laboratório e constataram que elas bronzeiam mais ou menos em função das doses da substância e da frequência das aplicações, e que este bronzeado artificial dura vários dias.

“A importância potencial deste estudo residirá no futuro em uma nova estratégia de proteção da pele e de prevenção do câncer de pele”, afirma Fisher. “A pele é o maior órgão do nosso corpo e pode ser afetada pelo câncer, na maioria dos casos por uma exposição aos raios ultravioleta”, conclui.

https://noticias.uol.com.br/saude/ultimas-noticias/afp/2017/06/14/cientistas-criam-substancia-que-bronzeia-sem-tomar-sol-e-sem-risco-de-cancer.htm

Pesquisa

Pacientes com câncer incurável entram em remissão após terapia genética

Estudo mostra boa resposta em mais de 90% dos casos de mieloma múltiplo e dá esperanças de cura

por O Globo

CHICAGO — Médicos e pesquisadores divulgaram, nesta segunda-feira, os resultados de uma pesquisa com imunoterapia que apresentou taxa de resposta “sem precedentes” em pacientes com mieloma múltiplo — um tipo de câncer no sangue até hoje incurável, que pode danificar os ossos, o sistema imunológico, os rins e a contagem de glóbulos vermelhos.

Na pesquisa, 33 dos 35 pacientes (94%) com esse câncer que participaram da experiência apresentaram remissão da doença — quando não há sinais dela, mas ainda não se pode dizer que se está curado — apenas dois meses depois de começarem uma terapia com de células T, que são as responsáveis pelo sistema imunológico.

Os cientistas retiraram células T dos próprios pacientes, modificaram-nas em laboratório com receptor de antígeno quimérico (CAR) e as injetaram novamente nos participantes, por meio intravenoso. Os primeiros resultados já começaram dez dias após esse processo. E a maioria dos pacientes teve efeitos colaterais mínimos.

Os dados foram divulgados durante a reunião anual da Sociedade Americana de Oncologia Clínica 2017 (ASCO), em Chicago, nos EUA, e publicados no “Journal of Clinical Oncology”.

Especialistas presentes no evento ressaltam que, apesar de o número de pacientes ser pequeno, é raro que qualquer tratamento contra o câncer tenha tamanho sucesso.

— Ainda é cedo, mas esses dados são um forte sinal de que a terapia com células T CAR pode colocar o mieloma múltiplo em remissão — destacou o oncologista Michael S. Sabel, da Universidade de Michigan. — É raro ver taxas de resposta tão altas, especialmente para um câncer difícil de tratar. Isso serve como prova de que a pesquisa de imunoterapia compensa.

A reprogramação genética das células T envolve a inserção de um gene projetado artificialmente no genoma dessas células, o que as ajuda a encontrar e destruir células cancerosas em todo o corpo.

Novas pesquisas ainda serão realizadas para determinar se esse tratamento é capaz, de fato, de curar a doença.

— Embora os avanços recentes na quimioterapia tenham dado uma expectativa de vida prolongada a quem tem mieloma múltiplo, este câncer permanece incurável — pontuou o autor do estudo, Wanhong Zhao, diretor associado de Hematologia no Second Affiliated Hospital da Universidade Xi’an Jiaotong, na China. — Nos parece que, com esta nova imunoterapia, pode haver uma chance de cura para o mieloma múltiplo, mas precisamos acompanhar pacientes por muito mais tempo para confirmar isso.

https://oglobo.globo.com/sociedade/saude/pacientes-com-cancer-incuravel-entram-em-remissao-apos-terapia-genetica-21436886#ixzz4jFzs4xk5
stest

Pesquisa

Cérebro é capaz de detectar doença dos outros e nos faz evitar doentes

O cérebro tem um grande potencial em identificar sinais de fraqueza de saúde em outras pessoas, antes mesmo que uma possível doença se desenvolva

Do UOL, em São Paulo 02/06/201704h00

Nosso cérebro é muito eficiente para detectar uma doença em outras pessoas. Conseguimos perceber que alguém está enfermo antes mesmo dessa pessoa saber –e assim evitar o contágio.  É o que sugere um estudo publicado recentemente na revista PNAS (Proceedings of the National Academy of Sciences).

Para os pesquisadores do Instituto de Karolinska, da Suécia, essa capacidade faz parte do instinto de sobrevivência do ser humano. “O estudo mostra que o cérebro humano é realmente muito bom em descobrir isto [doenças em outras pessoas] e que esta descoberta motiva o comportamento de prevenção”, disse Mats Olsson, do departamento de Neurociência Clínica.

Experiência

Para chegar a tal conclusão, os pesquisadores fizeram uma experiência com um grupo de 22 pessoas, injetando nelas doses inofensivas de bactérias –ativando nestes indivíduos, assim, a resposta imunológica. Este grupo desenvolveu, por algumas horas, sintomas como cansaço, dor e febre.

Neste período, os pesquisadores retiraram amostras de cheiro, além de tirar algumas fotografias.  As imagens e os cheiros foram mostrados para o outro grupo de indivíduos, além de tirar algumas fotografias.  As imagens e os cheiros foram mostrados para o outro grupo de indivíduos, além das fotos destas mesmas pessoas saudáveis.

As atividades cerebrais desses avaliadores foram medidas por um scanner de ressonância magnética, enquanto eles diziam se consideravam que a pessoa era alguém atraem ou com quem manteriam contato social.

“Nosso estudo mostra uma diferença significativa na forma como as pessoas tendem a preferir socializar e a estar mais dispostas com pessoas saudáveis –do que aquelas que estão doentes e cujo sistema imunológico ativamos artificialmente”, afirma Olsson, que também concluiu que o cérebro humano tem um grande potencial em identificar sinais de fraqueza de saúde em outras pessoas, antes mesmo que uma possível doença se desenvolva.

O pesquisador sueco vê o resultado do estudo como uma confirmação biológica ao argumento de que o instinto de sobrevivência humana naturalmente implica na prevenção a infecção. “Há poucas pessoas além de seus filhos que você beijaria quando eles têm um nariz escorrendo”, diz ele.

https://noticias.uol.com.br/ciencia/ultimas-noticias/redacao/2017/06/02/nosso-cerebro-e-capaz-de-detectar-doencas-incipientes-em-outras-pessoas.htm

Saúde

Por que nossos filhos poderiam herdar nossos vícios

Estudos mostram que o consumo de drogas como a cocaína podem ser transmitidas para as gerações posteriores

DANIEL MEDIAVILLA -02/06/2017 – 12:45 BRT

Acredita-se que as penas dos dinossauros não apareceram porque facilitaria o voo deles. As primeiras utilidades que favoreceram sua seleção foram, possivelmente, porque ajudavam a manter a temperatura corporal ou serviam como atrativo sexual. Depois começaram a ser o apoio para realizar modestos voos e milhões de anos depois, o resultado daquele processo é observado nas aves que planam nos céus. Uma adaptação semelhante é a que serve para que alguns seres humanos voem, neste caso com drogas.

O sistema de recompensas naturais do nosso organismo apareceu porque nos empurrava a procurar coisas que facilitavam nossa sobrevivência. Substâncias como a cocaína trabalham através dos mecanismos de recompensa que nos fazem sentir bem quando saciamos a sede ou a fome, mas com um efeito muito mais intenso. Estas maneiras para garantir que procuremos água ou comida foram favorecidas pela seleção natural, mas também estão por trás dos vícios.

Faz algum tempo, é conhecido que há fatores genéticos hereditários que podem tornar uma pessoa mais propensa ao vício. Amplos estudos com gêmeos mostraram que o risco de abusar das drogas é hereditário em até 60% dos casos. Isso se relacionou com variações no genoma, mas essas particularidades não explicam inteiramente o fenômeno. Nos últimos tempos, acumulam-se evidências de que algumas mudanças que ocorrem nas marcas químicas que o estilo de vida agrega ao genoma, o que é conhecido como epigenoma, também podem ser transmitidas às gerações posteriores. Isso também aconteceria com a vulnerabilidade ao vício.

Esta semana, um grupo de pesquisadores da Universidade de Fudan, em Xangai, China, publicou os resultados de um estudo que pode ajudar a entender um pouco melhor a relação entre as mudanças epigenéticas de um consumidor de cocaína e a propensão que seus filhos utilizem a substância de forma descontrolada. No artigo, que foi publicado na revista Nature Communications, explicam como separaram ratos dependendo da motivação para procurar a droga. Este interesse dos roedores era medido fazendo com que, para ter acesso à substância, tivessem que empurrar uma alavanca várias vezes. O número máximo de vezes que um dos participantes no estudo pressionava a alavanca era utilizada para estimar o grau de motivação que a droga inspirava.

Depois de identificar os animais com mais interesse em tomar cocaína, observaram a relação de seus filhotes com a substância e viram que eram mais propensos a se viciar, algo que em seres humanos ocorre em cerca de 20% dos consumidores habituais. Os autores também descobriram que a hereditariedade do vício não depende de um consumo maior ou menor, mas da maior ou menor motivação para buscar a substância.

Para entender melhor os fatores que tornam hereditário o vício, os pesquisadores analisaram o esperma dos ratos que queriam consumir mais e dos que não. Assim, encontraram diferenças na metilação de algumas zonas de DNA, um tipo de marcas epigenéticas que alteram a expressão dos genes. Depois, viram que algumas dessas mudanças também se mantinham na prole, algo que poderia explicar por que eles também têm comportamentos de dependência.

Embora o estudo tenha sido realizado em animais e não se deveria pensar em extrapolá-lo diretamente para seres humanos, os resultados são consistentes com as observações que foram realizadas em estudos epidemiológicos. O consumo de cocaína dos pais tem sido relacionado com problemas de ansiedadenos filhos, memória deteriorada e déficit de atenção. Além disso, foi observado que se a mãe toma cocaína antes da gravidez, a sensibilidade dos filhos à droga aumenta, o que facilita o vício.

O conhecimento da influência das alterações epigenéticas dos pais na tendência para o consumo abusivo de drogas nos filhos poderia servir no futuro para modificar e reduzir esse risco. Pesquisadores como Juan Carlos Izpisúa, professor do Laboratório de Expressão Genética do Instituto Salk nos EUA, conseguiu manipular essas marcas e esperam que isso possa ser feito de forma mais controlada e generalizada no futuro. Os autores deste estudo agora querem estudar se o uso de outras drogas, como a heroína, pode causar alterações epigenéticas semelhantes.

http://brasil.elpais.com/brasil/2017/05/31/ciencia/1496244370_258847.html

Pesquisa

Uma nova chave para conter a metástase do câncer de mama

Estudo com camundongos mostra como deter células-tronco que originam tumores em outros órgãos

NUÑO DOMÍNGUEZ

Assim como ocorre com muitos outros tumores, a metástase é a principal causa de morte nas mulheres que desenvolvem o câncer de mama. Uma reduzida população de células dentro do tumor é capaz de sobreviver ao tratamento e pode, meses ou anos mais tarde, gerar um novo câncer. As responsáveis por essas recaídas são as células-tronco do câncer, e contê-las significaria uma das maiores vitórias contra a doença que se possa imaginar.

Um novo estudo publicado nesta segunda-feira dá um passo à frente nesse possível triunfo ao revelar o mecanismo que permite às células-tronco do câncer escapar do sistema imunológico e gerar tumores em outros órgãos. “As células-tronco cancerosas utilizam programas genéticos próprios das células-tronco normais para adquirir novas propriedades”, resume Toni Celià-Terrassa, pesquisador da Universidade de Princeton (EUA) e primeiro autor do estudo, publicado na Nature Cell Biology. “Isso dá a elas capacidade de adaptação para serem mais agressivas. Por isso são as responsáveis por iniciar o crescimento tumoral, a metástase e a resistência à quimioterapia”, ressalta o biólogo molecular espanhol, que está nos EUA há quatro anos como pesquisador em pós-doutorado.

Seu trabalho mostra que tanto as células-tronco da mama como as cancerosas produzem uma molécula de ácido ribonucleico (ARN) que bloqueia a produção de uma proteína chamada LCOR. Essa proteína é fundamental para que as células-tronco não sejam eliminadas por interferon, um tipo de proteína produzida por células do sistema imunológico. Esse mecanismo permite que as células tumorais sobrevivam sem ser vistas. O estudo demonstrou que pacientes com tumores triplo negativos, os mais agressivos e difíceis de tratar, têm altos níveis do ARN mencionado. Em seus experimentos com camundongos avatar, que desenvolvem tumores extraídos de pacientes, os cientistas demonstraram como o ARN aumenta a capacidade das células-tronco de formar tumores, e como isso pode ser contido aumentando os níveis da proteína LCOR.

Segundo Celià-Terrassa, esta descoberta poderia melhorar a eficiência da imunoterapia, uma nova linha de tratamento contra vários tipos de câncer. O pesquisador acrescenta que, no futuro, seria possível desenvolver tratamentos combinados com interferon e pequenas moléculas de ARN para conseguir eliminar essa reduzida população de células dentro do tumor, que são as responsáveis pela metástase.

O estudo tem “claras implicações terapêuticas para atacar as células-tronco do câncer com moduladores do sistema imunológico”, afirmou Michael Clarke, pesquisador da Universidade de Stanford (EUA) e um dos descobridores desse tipo de célula, em um comunicado à imprensa emitido pela Universidade de Princeton. Roger Gomis, chefe do grupo de metástase do Instituto de Pesquisa Biomédica de Barcelona, na Espanha, acredita que o trabalho traz “um conhecimento fundamental”, apesar de acrescentar que será um desafio significativo poder traduzi-lo em possíveis tratamentos a curto prazo.

http://brasil.elpais.com/brasil/2017/05/22/ciencia/1495455598_150909.html