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Ciência

Nova técnica de edição genética corrige doenças em células humanas

A CRISPR permite reparar mutações no RNA relacionadas à anemia e ao diabetes

Nuño Domínguez – 26/10/2017

Desde há mais de 3 bilhões de anos, inúmeras combinações e repetições das mesmas quatro letras foram suficientes para dar origem a todos os seres vivos do planeta. Os seres humanos são os únicos que desenvolveram um cérebro capaz de não apenas compreender o funcionamento básico desse alfabeto genético composto pelas quatro bases do DNA – adenina, guanina, timina e citosina, ou A, G, T, C –, mas reescrevê-lo graças à ferramenta de edição genética CRISPR. Isso já está sendo aplicado para corrigir defeitos genéticos em embriões humanos e está sendo estudado em pacientes com câncer de pulmão e outros tumores.
Nesta quarta-feira estão sendo publicados os detalhes de duas novas versões desse editor de texto genético que aperfeiçoam a capacidade dos seres humanos para reescrever o genoma dos seres vivos sem introduzir erros que poderiam gerar mutações perigosas.

O primeiro trabalho foi conduzido por Feng Zhang, um pesquisador norte-americano de origem chinesa que foi o primeiro a aplicar a CRISPR em células de mamíferos e que atualmente é um dos três nomes mais importantes nesse campo, ao lado das duas mulheres que desenvolveram a técnica, Jennifer Doudna e Emmanuelle Charpentier. Os três estão envolvidos em uma batalha legal para controlar patentes sobre essa tecnologia.

equipe de Zhang no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT, na sigla em inglês) desenvolveu uma versão da CRISPR capaz de modificar o RNA, ácido nucleico que lê e transcreve as instruções escritas no DNA para sintetizar proteínas. Todas as versões desse intermediário genético também são formadas por quatro letras, as mesmas do DNA, menos o uracilo (U) no lugar da timina (T). Essas letras sempre se juntam em pares de bases, A com T e G com C. Muitas doenças raras de origem genética são desencadeadas por uma única letra de DNA mal situada na sequência.

A edição genética se inspira no sistema imunológico rudimentar com o qual alguns micróbios guardam em seu genoma fragmentos do genoma de vírus como se fosse um retrato falado que lhes permite identificá-los e lançar contra eles algumas enzimas que cortam o RNA viral e o desativam. Zhang e sua equipe descreveram um novo grupo dessas enzimas presentes em bactérias do gênero Prevotella, que inclui micróbios que normalmente vivem nos intestinos e na vagina. Os pesquisadores desativaram a capacidade dessas enzimas – as Cas 13b – para cortar o RNA e adicionaram a elas outra proteína que troca uma base de adenina (A) por outra de inosina (I), que é lida como se fosse uma guanina (G). Esse novo sistema se liga seletivamente a sequências determinadas de RNA e troca um A por um G. As mudanças são apenas temporárias – duram o tempo que o RNA leva para se degradar dentro da célula – e reversíveis, o que não acontece com a CRISPR convencional que é aplicada ao DNA e que, uma vez alterada, permanece assim para o bem ou para o mal.

“Até agora conseguimos desativar genes, mas recuperar a função das proteínas é muito mais complicado”, explicou Zhang em um comunicado de imprensa de sua instituição. “Essa nova capacidade de editar o RNA abre mais possibilidades para reparar essas funções e tratar muitas doenças em praticamente qualquer tipo de célula”, acrescenta.

Em seu estudo, publicado pela revista Science, os pesquisadores usaram seu editor, chamado Repair, para corrigir mutações nas células humanas que causam anemia de Fanconi e um tipo de diabetes. O sistema tem uma taxa de sucesso entre 20% e 40% e a equipe reduziu o número de erros que introduz no RNA de mais de 18.000 para apenas 20.

O estudo “antecipa uma série de aplicações muito interessantes do ponto de vista da pesquisa básica, mas também sua aplicação para tratar doenças congênitas, ou para reproduzir alelos, variantes protetoras de genes, por exemplo, corrigir um oncogene mutado para evitar sua ativação e que desencadeie a transformação tumoral”, diz Lluis Montoliu, pesquisador do Centro Nacional de Biotecnologia (CSIC), que não participou da pesquisa.

Um dos objetivos de Zhang é buscar novos tratamentos para doenças mentais com uma abordagem semelhante à utilizada para o câncer ou doenças cardiovasculares. O problema é que o nível de conhecimento dessas doenças ainda é muito menor, como ele mesmo explicou. Sua nova criação pode ajudar a compreender melhor o cérebro e seu funcionamento. “Por enquanto, esta seria a única ferramenta para estudar o que acontece quando uma base de adenosina se transforma em inosina e essas mudanças estão envolvidas com o desenvolvimento do cérebro e o surgimento do câncer”, explica Marc Güell, especialista em CRISPR e pesquisador da Universidade Pompeu Fabra.

O segundo trabalho, publicado nesta quarta-feira pela revista Nature, completa a caixa de ferramentas para modificar o DNA graças à primeira versão da CRISPR capaz de transformar pares de bases de AT em GC, o que permitiria corrigir uma alteração que é responsável pela metade de todas as mutações patológicas conhecidas, de acordo com o trabalho. Além disso, essa nova versão da CRISPR reduz de 10% para 0,1% a taxa de erros introduzidos no genoma de forma involuntária. Os pesquisadores demonstraram sua nova tecnologia corrigindo duas doenças sanguíneas causadas por esse tipo de mutações em células humanas. Graças a essa nova ferramenta já é possível editar qualquer uma das quatro letras do alfabeto genético.

https://brasil.elpais.com/brasil/2017/10/25/ciencia/1508946003_990505.html

Tendências

Estudos? Graduação em maconha

Universidade do Norte de Michigan criou a primeira carreira focada em cannabis

GABRIELA MARTÍNEZ
Madri 23 OUT 2017 – 16:48 BRST

A legalização da maconha é realidade em cada vez mais países. Este psicotrópico gerou uma indústria que no ano passado gerou ganhos de 6,8 bilhões de dólares nos EUA e vários estudos pesquisam há muito tempo suas propriedades medicinais. Neste sentido, a Universidade do Norte de Michigan (NMU, em sua sigla em inglês) criou uma carreira de quatro anos focada no estudo da cannabis, seus usos e seus efeitos.

“Química de plantas medicinais” é o nome oficial da graduação que começou em agosto passado. Embora outras universidades como Harvard, a Universidade de Denver, a de Vanderbilt e a de Ohio ofereçam cursos em política e direito sobre a maconha, o programa oferecido pela universidade pública NMU é o primeiro a se concentrar em todos os aspectos desta planta. O currículo inclui disciplinas das áreas de química, biologia, botânica, horticultura, marketing e finanças.

“Sabemos que nos EUA e em muitos países os remédios tradicionais à base de plantas são muito utilizados, como os suplementos de ervas e os extratos”, diz Marc Paulsen, diretor do Departamento de Química. Os alunos irão estudar não só os benefícios da cannabis, também aprenderão a usar uma grande variedade de plantas medicinais.

“Ouvi pela primeira vez sobre este novo programa no semestre passado e imediatamente me uni ao projeto”, diz Benjamin Ritter, estudante de 19 anos. O jovem estudante espera se tornar produtor dessa planta para produzir remédio de alta qualidade e ajudar os pacientes que precisam, como sua mãe, que sofre de esclerose múltipla. O canabidiol presente na maconha poderia ajudar a controlar a espasticidade e dores musculares.

Os dois princípios ativos da cannabis com fins terapêuticos são o tetrahidrocanabinol (THC) e o canabidiol (CBD). No caso do câncer, a planta ajuda a controlar as náuseas causadas pela quimioterapia e também tem sido usada para aumentar o apetite em doentes terminais de câncer ou de AIDS.

A indústria da cannabis promete. Os lucros gerados em Michigan estão estimados em mais de 700 milhões de dólares. Enquanto que em 2016 a venda legal gerou 6,8 bilhões de dólares, para 2021 deverá crescer para 21,6 bilhões, de acordo com a empresa ArcView Market Research, que investiga a indústria da maconha.

A ideia desta licenciatura surgiu no ano passado, quando o professor associado de química Brandon Canfield participou de uma reunião anual da Sociedade Americana de Química, na qual ouviu falar da necessidade de especialistas para esta indústria.

Alex Roth é outro dos 12 alunos que cursam essa graduação inovadora. O sonho deste jovem de 19 anos é trabalhar em uma das empresas mais prestigiadas da cannabis e depois iniciar seu próprio laboratório.

No entanto, neste centro de estudos não será plantada maconha. Embora em alguns Estados norte-americanos, como a Califórnia, seja legal cultivá-la, no Estado de Michigan está proibido. A erva é totalmente legal, tanto para uso medicinal como recreativo, em oito dos 50 estados dos EUA e no Distrito de Columbia. Em outros 29 Estados dos EUA é permitido o uso medicinal.

Além das oportunidades de negócios, a normalização do estudo da maconha poderia erradicar os preconceitos que existem em relação à planta. “Gostaria de liderar o movimento para normalizar a maconha e ajudar as pessoas que a consomem como alternativa à medicina tradicional”, diz Roth.

https://brasil.elpais.com/brasil/2017/10/19/internacional/1508428040_927043.html?id_externo_rsoc=FB_BR_CM

Pesquisa genética

Pela 1ª vez, cientistas removem doença genética de embrião com ‘cirurgia química’

James Gallagher

Da BBC News 28/09/2017

Pesquisadores chineses afirmam ter realizado pela primeira vez no mundo uma “cirurgia química” em embriões humanos para extrair uma doença. A equipe da Universidade de Sun Yat-sen usou uma técnica chamada “edição de base” para corrigir um único erro entre as três bilhões de “letras” do nosso código genético. Eles alteraram embriões feitos em laboratório para extrair a doença talassemia beta.

A equipe disse que o experimento pode levar, algum dia, ao tratamento de uma série de doenças herdadas geneticamente. A técnica altera a construção base do DNA: as quatro bases adenina, citosina, guanina e timina. Elas são mais conhecidas por suas respectivas letras iniciais, A, C, G e T.

Todas as instruções para “configurar” o corpo humano e colocá-lo em funcionamento estão codificadas nas combinações dessas quatro bases.

A talassemia beta, uma doença sanguínea que causa sintomas de anemia e pode levar à morte, é provocada por uma mudança em uma única base no código genético – conhecida como mutação pontual. Os pesquisadores chineses a “editaram de volta”.

Eles copiaram o DNA e trocaram o G por um A, corrigindo o problema. “Nós somos os primeiros a demonstrar a viabilidade de curar doenças genéticas em embriões humanos a partir de um sistema de edição de base”, disse à BBC Junjiu Huang, um dos cientistas do grupo.

Ele disse que o estudo abre novas portas para tratar pacientes e prevenir bebês de nascerem com a talassemia beta “e até mesmo outras doenças hereditárias”. Os experimentos foram feitos com tecidos de um paciente com a doença e através de embriões humanos criados a partir da clonagem.

Revolução genética

A edição de base é um avanço em relação a outra forma de editar genes, a técnica conhecida como Crispr, que já está revolucionando a ciência. A Crispr quebra o DNA. Quando o corpo tenta consertar a quebra, ela desativa uma série de instruções, que também são chamadas de gene. Aí está a oportunidade de inserir novas informações genéticas.

A edição de base faz as próprias bases de DNA se transformarem umas nas outras. O professor David Liu, pioneiro da edição de base na Universidade de Harvard, descreveu o método como “cirurgia química”.

Ele afirma que a técnica é mais eficiente e tem menos efeitos colaterais indesejados do que a Crispr. “Cerca de dois terços das variantes genéticas humanas associadas a doenças são mutações pontuais. Portanto, a edição de base tem o potencial de corrigir diretamente, ou reproduzir para fins de pesquisa, muitas [mutações] patogênicas”.

O grupo de cientistas da Universidade de Sun Yat-sen em Guangzhou (China) virou manchete anteriormente quando eles foram os primeiros a usar a técnica Crispr em embriões humanos. O professor Robin Lovell-Badge, do Instituto Francis Crick em Londres, disse que determinados trechos desse último estudo são “engenhosos”.

Mas ele também questionou por que eles não fizeram mais pesquisas com animais antes de ir diretamente aos embriões humanos e afirmou que as regras sobre pesquisas com embriões em outros países teriam sido “mais rigorosas”.

O estudo, publicado na revista científica Protein and Cell, é o mais recente exemplo da rapidez na evolução da habilidade dos cientistas de manipular o DNA humano. Isso está provocando um debate profundo de ética na sociedade, sobre o que é e o que não é aceitável nos esforços para prevenir doenças.

O professor Lovell-Badge disse que esses métodos dificilmente serão usados clinicamente em breve. “Serão necessários muito mais debates sobre ética e sobre como esses métodos seriam regulados. E, em muitos países, incluindo a China, é necessário ter mecanismos mais robustos para regulação, fiscalização e acompanhamento a longo prazo.”

https://noticias.uol.com.br/saude/ultimas-noticias/bbc/2017/09/28/pela-1-vez-cientistas-removem-doenca-genetica-de-embriao-com-cirurgia-quimica.htm

Pesquisa

Estudo feito na Unicamp permite traçar o roteiro da obesidade

20 de setembro de 2017

Karina Toledo, de Lincoln  |  Agência FAPESP – Ao investigar, na última década, os fatores associados à crescente epidemia global de obesidade, cientistas identificaram dois eventos que contribuem fortemente para o ganho de peso.

Um deles é a alteração no perfil de bactérias que compõem a flora intestinal. Estudos publicados entre 2005 e 2007 mostraram que pessoas obesas geralmente apresentam um conjunto de microrganismos que favorece a absorção dos nutrientes da dieta. Ou seja, uma maçã pode ser mais calórica para uma pessoa gorda do que para uma pessoa magra. Mas se isso é causa ou consequência do sobrepeso ainda não se sabia ao certo.

Outro evento importante é a morte de um grupo de neurônios existente em uma região do cérebro chamada hipotálamo. Conhecidas como neurônios POMC, essas células são sensores de nutrientes e têm a função de avisar para o corpo que está na hora de parar de comer e que já há energia disponível para gastar. Após a perda desses sensores, mostraram os estudos, os indivíduos passam a sentir cada vez mais necessidade de consumir alimentos ricos em gordura e açúcar. Por outro lado, ficam com o metabolismo mais lento e armazenam grande parte da energia fornecida pela dieta desbalanceada.

“Começamos então a nos perguntar: o que vem antes? A mudança no padrão alimentar do paciente causada por um erro no sistema cerebral de controle da fome ou a alteração do microbioma intestinal? Nossos dados mais recentes sugerem que o hipotálamo é danificado muito antes de ocorrerem alterações no intestino”, contou Licio Augusto Velloso, coordenador do Centro de Pesquisa em Obesidade e Comorbidades (OCRC) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), um dos CEPIDs apoiados pela FAPESP.

Em uma palestra apresentada na manhã de terça-feira (19/09), durante a FAPESP Week Nebraska-Texas, Velloso apresentou resultados de um estudo realizado na Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp durante o pós-doutorado de Daniela Razolli.

O grupo realizou nos tecidos de camundongos submetidos à dieta rica em gordura saturada uma série de análises temporais – que ao todo durou quatro meses, tempo suficiente para o animal ficar obeso. Em vários momentos ao longo do período experimental, uma parte da colônia era sacrificada e tinha o cérebro e o intestino analisados pelos pesquisadores.

“Começamos a detectar alterações hipotalâmicas logo no primeiro dia da dieta obesogênica. Já as alterações na microbiota intestinal demoraram entre duas e três semanas para aparecer. É uma diferença temporal relativamente grande – considerando que são camundongos”, explicou Velloso.

Em estudos anteriores, o grupo da Unicamp já havia detalhado como os danos aos neurônios POMC acontecem. As moléculas de gordura saturada ingeridas são absorvidas no intestino, caem na corrente sanguínea e chegam ao cérebro, junto com os demais nutrientes da dieta.

No sistema nervoso central, uma célula de defesa conhecida como micróglia entende que aquele excesso de gordura é uma ameaça aos neurônios e começa a produzir moléculas inflamatórias como se estivesse combatendo um patógeno.

“Essa inflamação, inicialmente, prejudica o funcionamento correto dos neurônios hipotalâmicos. Caso perdure por muito tempo, as células acabam morrendo. Esse, provavelmente, é o motivo pelo qual indivíduos que permanecem obesos por muito tempo têm dificuldade para emagrecer e recaem na doença mesmo após diversos tratamentos. Essas pessoas simplesmente não conseguem mais atingir um equilíbrio do fluxo de energia no corpo”, comentou Velloso.

Como o experimento com camundongos mostrou, os danos neuronais têm início muito antes de o indivíduo começar a engordar, mas podem ser revertidos no início do processo. Caso o erro alimentar perdure, disse Velloso, a lesão neuronal torna-se irreversível.

“Se o indivíduo comer uma refeição rica em gordura saturada, mas depois passar vários dias à base de uma dieta rica em fibras e vegetais, a inflamação no hipotálamo diminui e os neurônios se recuperam. O que não pode acontecer é a dieta obesogênica se tornar frequente, pois isso leva a um aumento gradativo do processo inflamatório”, disse o pesquisador.

A alimentação desbalanceada vai modificando uma série de parâmetros metabólicos, favorecendo o desenvolvimento de diabetes e hipertensão. Nesse contexto, explicou Velloso, surge a alteração da microbiota intestinal que, por sua vez, contribui tanto para o agravamento da obesidade como das doenças a ela associadas.

Segundo Velloso, estudos de outros grupos mostraram que uma dieta rica em carboidratos simples, como os presentes no açúcar e na farinha branca, também podem elevar os níveis de lípides no sangue e, de forma indireta, promover inflamação no hipotálamo.

“Ao comparar os dois tipos de dieta, porém, os pesquisadores concluíram que os resultados são piores quando há consumo excessivo de gordura saturada”, disse Velloso.

A principal fonte de gordura saturada da dieta humana são os alimentos de origem animal, como carnes gordurosas, manteiga e laticínios. Mas esse nutriente também está presente no óleo e derivados de coco e no óleo de dendê, assim como em diversos produtos industrializados, inclusive biscoitos, sorvetes, bolos e tortas.

Neurogênese

De acordo com Velloso, trabalhos recentes sugerem que é possível promover a neurogênese no hipotálamo, ou seja, estimular o surgimento de novos neurônios POMC como uma tentativa de combater a obesidade. Mas, por enquanto, trata-se apenas de uma possibilidade experimental, testada em roedores de laboratório. Ainda são necessárias muitas pesquisas para entender como o processo de diferenciação celular pode ser controlado.

“Estamos na fase de entender como funcionam as células precursoras dos neurônios, um tipo de célula-tronco que existe no cérebro. Precisamos descobrir quais fatores precisam ser ativados para desencadear o processo de neurogênese. É um passo inicial, mas pode no futuro ser uma solução terapêutica para a obesidade”, disse Velloso.

Ilustração:  Fábio Otubo

Produzir comida para promover saúde

Realizada entre os dias 18 e 22 de setembro, a FAPESP Week Nebraska-Texas tem como objetivo fomentar a colaboração entre cientistas do Brasil e dos Estados Unidos.

Na manhã desta terça-feira, logo antes da palestra de Velloso, o pesquisador norte-americano Andrew Benson apresentou o escopo do The Nebraska Food for Health Center, criado há cerca de um ano com o objetivo de desenvolver novos alimentos capazes de promover saúde agindo principalmente sobre o microbioma intestinal.

“Nosso sistema de produção de alimentos atualmente está preocupado em reduzir custos, aumentar produtividade, usar recursos de forma eficiente e outros fatores. Mas a preocupação com a saúde aparece apenas no que se refere à segurança. Ou seja, o sistema está preocupado em não matar as pessoas e não em promover a saúde. Precisamos mudar esse paradigma”, disse Benson.

A ideia, segundo o pesquisador, é estudar a diversidade genética de culturas locais, principalmente soja, feijão e outros grãos, para identificar componentes presentes nesses alimentos que são capazes de influenciar de forma benéfica o perfil de bactérias do intestino. No futuro, os compostos mais promissores poderão ser isolados e acrescentados a outros tipos de alimentos industrializados.

Essa abordagem poderia, na avaliação de Benson, auxiliar no combate a doenças metabólicas, autoimunes, cardiovasculares, câncer, doenças inflamatórias intestinais e até mesmo doenças neurológicas e pulmonares.

“Temos um planejamento para os próximos 10 anos. Nos primeiros cinco, estaremos focados em nossas culturas e doenças locais. Já na segunda metade abordaremos o problema de forma global e para isso vamos precisar de parceiros internacionais”, ressaltou.
http://agencia.fapesp.br/estudo_feito_na_unicamp_permite_tracar_o_roteiro_da_obesidade/26184/

Ciência

Fome é o fator que leva a célula tumoral a migrar pelo corpo, diz pesquisador

18 de agosto de 2017

Karina Toledo  |  Agência FAPESP – O pesquisador britânico Colin Goding está convencido de que o mesmo fator que motivou o primeiro ser vivo unicelular a se movimentar pela Terra – há mais de 3 bilhões de anos – também é a razão pela qual algumas células tumorais se separam do tumor primário para colonizar outras partes do corpo: a busca por comida.

Em seu laboratório, situado no Instituto Ludwig de Pesquisa do Câncer, vinculado à Universidade de Oxford, no Reino Unido, ele demonstrou em experimentos com culturas de melanoma humano que a falta de nutrientes desativa o maquinário de proliferação celular e faz com que as células tumorais adquiram um fenótipo invasivo.

“Nossa estimativa é que a mesma lógica funcione para a maioria dos tipos de câncer e, talvez, possamos encontrar meios de manipular esse mecanismo de sobrevivência celular para obter benefícios terapêuticos”, disse Goding em entrevista à Agência FAPESP.

De passagem por São Paulo, onde proferiu no dia 10 de agosto a palestra de abertura do 8º Workshop on Melanoma Models, Goding contou que seu grupo tem usado o melanoma como um modelo para entender a progressão do câncer como um todo.

“É um ótimo modelo porque conseguimos visualizar todos os estágios da doença. Podemos perceber quando as células produtoras de pigmento começam a invadir outros tecidos e formar metástases. Já em outros tipos de tumor, como pulmão ou pâncreas, quando o paciente apresenta sintomas e procura um médico a doença já se espalhou”, comentou.

Outro fator que tornou o melanoma um modelo interessante para o estudo do câncer, segundo Goding, foi a identificação, há mais de uma década, de um gene chamado BRAF, que se encontra alterado em metade dos casos da doença – emitindo estímulos para a proliferação descontrolada das células.

“Em poucos anos surgiram drogas capazes de inibir especificamente essa forma ativa do gene BRAF com efeitos dramáticos. Pacientes com múltiplas metástases respondiam muito bem. Porém, após alguns meses, as células se tornavam resistentes. Nossa pergunta então foi: por que essa resistência surge e o que podemos fazer a respeito?”

Transformação do fenótipo

De acordo com Goding, estudo recentes têm mostrado que a resistência do melanoma ao tratamento está relacionada com a existência, dentro de um mesmo tumor, de subpopulações de células com fenótipos diferentes. Ou seja, embora possuam o mesmo background genético, se comportam de forma distinta.

“Algumas podem estar mais diferenciadas e se comportar como o tecido de origem [células produtoras de melanina], outras podem estar se proliferando rapidamente e fazendo o tumor crescer, outras podem estar com o ciclo mais lento e fenótipo invasivo e outras se tornam dormentes e permitem que, mesmo após uma terapia bem-sucedida, a doença reapareça muitos anos depois”, explicou Goding.

Um dos objetivos do grupo britânico, portanto, tem sido compreender os fatores que levam ao surgimento desses diferentes fenótipos. Segundo Goding, aspectos do microambiente tumoral, como a disponibilidade de nutrientes, oxigênio e a interação com sinais emitidos pelo sistema imune, são fundamentais para a transformação.

A hipótese levantada pelo britânico é que, diante de uma situação de escassez de nutrientes, ativa-se em parte das células tumorais um mecanismo de sobrevivência que as faz migrar para procurar comida em outro local.

“Além disso, acreditamos que determinados sinais emitidos por células do sistema imune – como as citocinas TNF-α [Fator de necrose tumoral alfa] e TGF-β [Fator de transformação do crescimento beta] – podem induzir um estado de pseudodesnutrição. Nesse caso, mesmo havendo abundância de nutrientes, esses sinais imunes associados à inflamação acionam o mesmo mecanismo induzido pela fome e fazem a célula migrar”, explicou o cientista.

Experimentos feitos por Goding com leveduras e também com células de melanoma confirmaram que existe um mecanismo de sobrevivência celular conservado ao longo da evolução. Quando passa fome, a célula reduz sua demanda por nutrientes para se adequar à oferta. Isso significa desativar os processos biológicos necessários para a síntese de proteínas e para a formação de novas células.

Porém, quando a célula tumoral consegue migrar para um novo ambiente, onde há abundância de nutrientes e ausência dos sinais imunes que induzem a pseudodesnutrição, ela volta a se proliferar para formar uma nova colônia.

“Se conseguirmos enganar as células para fazer com que acreditem que os sinais de estresse já foram embora, o maquinário de fazer novas células volta a ficar ativo e elas vão morrer porque a demanda por nutrientes vai exceder a oferta”, avaliou.

A manipulação do estado fenotípico da célula tumoral, segundo Goding, poderia, em teoria, evitar tanto a formação de metástase como a ocorrência de futuras recaídas da doença.

“O processo de formação de metástase é muito ineficiente. Deve haver centenas de milhares de células tumorais circulando e algumas poucas conseguem estabelecer uma nova colônia com sucesso. Parte dessas células morre e parte se torna dormente para sobreviver ao estresse associado com a fuga do tumor primário. Se encontrarmos um mecanismo para eliminar a dormência, poderemos reduzir ainda mais o porcentual de células que consegue escapar do tumor primário, sobreviver e formar metástase. Isso é algo que buscamos em meu laboratório, em colaboração com grupos do mundo todo, inclusive o de Silvya Stuchi, no Brasil”, contou.

http://agencia.fapesp.br/fome_e_o_fator_que_leva_a_celula_tumoral_a_migrar_pelo_corpo_diz_pesquisador/25921/

Pesquisa

Contra a depressão, uso de medicamentos é melhor que o de corrente elétrica

02 de agosto de 2017

Maria Fernanda Ziegler  |  Agência FAPESP – Um estudo recém-publicado no New England Journal of Medicine põe em dúvida a eficácia do tratamento contra a depressão que tem como pressuposto estimular áreas do cérebro com correntes elétricas de baixa intensidade.

A técnica, conhecida como estimulação cerebral de corrente contínua (tDCS, da sigla em inglês), era considerada alternativa promissora para casos de depressão. No novo estudo, pesquisadores do Hospital Universitário da Universidade de São Paulo (USP) e do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP demonstraram que a eficácia da tDCS é inferior ao uso de escitalopram, um medicamento antidepressivo.

Para isso, André Brunoni, livre-docente do Departamento de Psiquiatria da FMUSP e diretor do Serviço de Neuromodulação Interdisciplinar do Instituto, e equipe dividiram aleatoriamente 245 pacientes com depressão em três grupos.

Um grupo foi tratado com tDCS e pílulas placebo, outro recebeu tDCS simulado (“sham”) e o medicamento antidepressivo. O terceiro grupo recebeu tDCS simulado e placebo.

O tratamento durou 15 dias consecutivos, com sessões de 30 minutos cada, e depois uma vez por semana durante sete semanas. O antidepressivo de primeira linha foi administrado diariamente durante três semanas. Em seguida, a dose diária foi aumentada de 10 mg para 20 mg, em mais sete semanas de acompanhamento.

O estudo teve apoio da FAPESP por meio do Programa Jovens Pesquisadores em Centros Emergentes.

“Definimos que a taxa de não inferioridade da estimulação em relação ao antidepressivo seria de no mínimo 50%, ou seja, a estimulação teria que ter no mínimo 50% da eficácia do medicamento, mas não foi o que ocorreu. Descobrimos que a eficácia do tDCS não chega à metade da eficácia do tratamento medicamentoso. A conclusão é que a estimulação não deve ser usada como um tratamento de primeira linha. O medicamento representa um tratamento fácil e bem mais eficaz. Por outro lado a tDCS foi superior ao placebo, de acordo com nossas pesquisas prévias”, disse Brunoni à Agência FAPESP.

A depressão atinge de 12% a 14% da população mundial e atualmente é relativamente fácil encontrar sites e vídeos na internet no estilo “faça você mesmo” com supostas técnicas caseiras de estimulação elétrica de corrente direta.

“É algo impressionante. Esses sites que supostamente ensinam a fazer a estimulação cerebral representam um risco enorme ao paciente com depressão. As soluções caseiras são altamente contraindicadas. É um perigo. Acredito que nosso estudo terá efeito nesse fenômeno, agora que provamos que há efeito colateral e que a eficácia não é tão boa assim como se acreditava”, disse Brunoni.

De acordo com o estudo, pacientes que receberam tDCS apresentaram maiores taxas de vermelhidão na pele, além de tinitus (zumbido na cabeça) e afobação. Dois voluntários do estudo apresentaram episódio de hipomania durante o tratamento com tDCS.

Terapia eletroconvulsiva

Brunoni destaca que é preciso evitar confusão entre o tDCS e outros métodos como a terapia eletroconvulsiva (ECT). Nessa última, ocorre a liberação de descargas elétricas muito mais fortes – de 800 miliampères, ou 800 vezes maior que a da tDCS –, com o objetivo de desencadear convulsões controladas. Há ainda diferença em outros parâmetros. A ECT usa um tipo de corrente em forma de pulsos e o principal efeito clínico é a crise convulsiva.

A estimulação cerebral de corrente contínua é colocada sobre o córtex dorsolateral pré-frontal do paciente, que é uma área que apresenta atividade diminuída em pessoas com depressão.

“Pessoas deprimidas têm uma hipoatividade do cérebro nessa área, em especial, e em várias outras também. Acreditava-se que o mecanismo de ação da estimulação aumentaria a atividade cerebral nessa área, porém este efeito não foi comprovado, ainda”, disse.

Há ainda outras técnicas relacionadas à alteração da atividade elétrica cerebral, que incluem estimulação magnética transcraniana, estimulação transcraniana por corrente alternada, terapia eletroconvulsiva, estimulação profunda do cérebro e ultrassonografia focada.

“De todas essas, apenas a estimulação magnética transcraniana e a terapia eletroconvulsiva são atualmente aprovadas pela FDA [Food and Drug Administration] para o tratamento da depressão. A estimulação do cérebro profundo tem uma isenção de dispositivo humanitário para o tratamento do transtorno obsessivo-compulsivo”, disse Sarah H. Lisanby, diretora do National Institute of Mental Health (NIMH), em editorial na mesma edição do New England Journal of Medicine.

Lisanby destaca o estudo feito no Brasil e defende a necessidade de um parâmetro para medir o funcionamento da tDCS. Brunoni concorda. “Não existe qualquer parâmetro para saber se a estimulação está na dose adequada. Sei que dois comprimidos é uma dose maior do que um. Além disso, existem drogas passíveis de serem medidas no sangue. O exemplo mais comum é o lítio. É possível dosar a estimulação magnética. Já na estimulação elétrica, não é o que se vê. É uma corrente elétrica muito pequena que pode sofrer alterações até por questões anatômicas de cada paciente”, disse.

Brunoni agora está em pós-doutorado sênior na Universidade de Munique, na Alemanha, onde pretende terminar de analisar dados coletados de seu ensaio clínico.

“Coletamos muitos dados sanguíneos, genéticos e de neuroimagem durante o estudo e agora vou terminar de analisá-los e investigar se existe um perfil de pacientes que responde melhor ao tratamento. Clinicamente, a olho nu, não há, mas acredita-se que pacientes pouco refratários (que não tentaram tratamentos prévios) responderiam melhor. Também pretendo questionar os próprios parâmetros da estimulação para tentar descobrir se existe um tipo de depressão que responde melhor a esse tipo de tratamento”, disse.

O artigo Trial of Electrical Direct-Current Therapy versus Escitalopram for Depression (doi: 10.1056/NEJMoa1612999a), de Andre R. Brunoni, Adriano H. Moffa, Bernardo Sampaio-Junior, Lucas Borrione, Marina L. Moreno, Raquel A. Fernandes, Beatriz P. Veronezi, Barbara S. Nogueira, Luana V.M. Aparicio, Lais B. Razza, Renan Chamorro, Luara C. Tort, Renerio Fraguas, Paulo A. Lotufo, Wagner F. Gattaz, Felipe Fregni e Isabela M. Benseñor, pode ser lido por assinantes do New England Journal of Medicine em www.nejm.org/doi/full/10.1056/NEJMoa1612999.

http://agencia.fapesp.br/contra_a_depressao_uso_de_medicamentos_e_melhor_que_o_de_corrente_eletrica_/25797/

Pesquisa

Pesquisa revela como o exercício físico protege o coração

19 de julho de 2017

Karina Toledo, em Ribeirão Preto | Agência FAPESP – A prática regular de atividade física tem se firmado como uma importante forma de tratamento para a insuficiência cardíaca – doença caracterizada pela incapacidade do coração de bombear sangue adequadamente.

Os benefícios vão desde prevenir a caquexia – perda severa de peso e massa muscular – até o controle da pressão arterial, a melhora da função cardíaca e o retardo do processo degenerativo que causa a morte progressiva das células do coração e leva à morte 70% dos afetados pela doença nos primeiros cinco anos.

Um estudo da Universidade de São Paulo (USP), publicado na revista Autophagy, ajuda a elucidar parte dos mecanismos pelos quais o exercício aeróbico protege o coração doente.

““Basicamente, o que descobrimos é que o treinamento aeróbico facilita a remoção de mitocôndrias disfuncionais nas células cardíacas”, contou Julio Cesar Batista Ferreira, professor do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB-USP) e coordenador do projeto.

As mitocôndrias são as organelas responsáveis por produzir energia para as células. “A remoção dessas organelas promove um aumento na oferta de ATP [adenosina trifosfato, molécula que armazena energia para a célula] e reduz a produção de moléculas tóxicas, como os radicais livres de oxigênio e os aldeídos reativos, que em excesso danificam as estruturas celulares”, acrescentou.

Segundo o pesquisador, o objetivo da pesquisa no longo prazo é identificar alvos intracelulares que podem ser modulados por meio de fármacos para promover pelo menos parte dos benefícios cardíacos obtidos com a atividade física.

“Claro que não queremos criar a pílula do exercício, isso seria impossível, pois ele atua em muitos níveis e em todo o organismo. Mas talvez seja viável, por meio de um medicamento, mimetizar ou maximizar o efeito positivo da atividade física no coração”, comentou Ferreira.

O trabalho de investigação vem sendo conduzido durante o mestrado e o doutorado de Juliane Cruz Campos, bolsista da FAPESP e orientanda de Ferreira.

Em uma pesquisa anterior, publicada na revista PLoS One, o grupo mostrou por meio de experimentos com ratos que o treinamento aeróbico reativa um complexo intracelular conhecido como proteassoma – principal responsável pela degradação de proteínas danificadas.

Os resultados mostraram ainda que, no coração de portadores de insuficiência cardíaca, a atividade desse sistema de limpeza diminui mais de 50% e, consequentemente, proteínas altamente reativas começam a se acumular no citoplasma, interagindo com outras estruturas e causando a morte das células cardíacas.

No trabalho recém-publicado, que foi destaque na capa da revista, o grupo revelou que a atividade física também regula a atividade de outro mecanismo de limpeza celular conhecido como sistema de autofagia – cuja descoberta rendeu o Nobel de Medicina ao cientista japonês Yoshinori Ohsumi, em 2016.

“Em vez de degradar proteínas isoladas, esse sistema cria uma vesícula [autofagossomo] em volta de organelas disfuncionais e transporta todo esse material de uma só vez até uma espécie de incinerador, o lisossomo. Lá dentro, existem enzimas que destroem o lixo celular. No entanto, observamos que no coração de ratos com insuficiência cardíaca esse fluxo autofágico está interrompido, o que faz com que mitocôndrias disfuncionais comecem a se aglomerar”, explicou Ferreira.

De acordo com o pesquisador, a organela chega a se dividir, isolando a parte danificada para facilitar sua remoção. Isso foi possível constatar ao analisar a atividade de proteínas relacionadas com o processo de divisão mitocondrial. Porém, o sistema que deveria transportar o material rejeitado até o lisossomo não consegue completar a tarefa.

Experimentos

O modelo experimental usado foi o mesmo da pesquisa anterior, que consiste em amarrar uma das artérias coronárias do roedor para induzir um infarto no miocárdio. A falta de irrigação sanguínea causa a morte imediata de aproximadamente 30% das células cardíacas. Após um mês, o animal já apresenta sinais de insuficiência no órgão.

Ao analisar o tecido do coração doente por meio de microscopia eletrônica, capaz de aumentar a imagem em até 3 mil vezes, os pesquisadores notaram que nas células havia uma grande quantidade de mitocôndrias de tamanho reduzido e aglomeradas – algo que não foi observado no coração de animais sadios.

Essas organelas foram colocadas em um equipamento capaz de medir o consumo de oxigênio e, assim, avaliar o metabolismo mitocondrial. O teste confirmou que não estavam respirando como deveriam.

“As imagens mostravam que havia membranas tentando se formar em volta dessas pequenas mitocôndrias, mas o autofagossomo não chegava a envolver a organela de fato. Imaginamos então que elas estavam se acumulando porque o sistema de remoção não estava funcionado e, quando colocamos os animais para se exercitar, essas organelas disfuncionais desapareceram. O exercício restaurou o processo de remoção das mitocôndrias cardíacas disfuncionais. Os benefícios do exercício foram abolidos quando bloqueamos farmacologicamente ou geneticamente a autofagia”, contou Ferreira.

O treinamento dos animais teve início quatro semanas após a indução do infarto, quando eles já apresentavam sinais de insuficiência. Os roedores eram colocados em uma esteira para correr a uma intensidade considerada moderada (70% da capacidade máxima de corrida), durante 60 minutos, uma vez ao dia, cinco vezes por semana, por oito semanas.

Ao final, os resultados eram comparados com o de animais com insuficiência que permaneceram sedentários pelo mesmo período e também com o de animais sadios (que não tiveram infarto induzido) e sedentários (controle).

“No animal doente que permaneceu sedentário, a função cardíaca ao longo das oito semanas caiu 30%, enquanto no grupo treinado ela aumentou 40% em relação à condição pré-treino. No fim, portanto, a diferença na função cardíaca nesses dois grupos foi de 70%”, contou Ferreira.

Enquanto o coração dos ratos doentes sedentários estava em média 18% maior que o grupo-controle, o dos animais treinados aumentou apenas 5%.

“Vale lembrar que o exercício físico também induz um aumento no tamanho do coração, mas relacionado ao ganho de função. Já a dilatação causada pela insuficiência cardíaca está relacionada à perda de função no órgão”, disse o pesquisador.

Já o nível de ATP dos animais doentes sedentários foi 50% menor que o do grupo-controle, enquanto nos animais treinados foi equivalente ao do coração saudável.

“Nossos resultados mostram, portanto, que a atividade física não só previne como também reverte os danos causados pela insuficiência cardíaca. Nossa hipótese é que o treinamento físico module a expressão e/ou atividade de uma ou mais proteínas-chave envolvidas no processo denominado “mitofagia”, a autofagia mitocondrial, restaurando então sua atividade. É o que agora estamos tentando descobrir”, comentou Ferreira.

De acordo com o pesquisador, quando identificados, esses genes e as proteínas por eles codificadas poderiam ser testados como alvos terapêuticos.

Um modelo mais simples

Como explicou o professor do ICB-USP, descobrir o impacto de cada gene/proteína nas adaptações cardíacas decorrentes da atividade física em um organismo complexo como o de mamíferos seria uma tarefa exaustiva – virtualmente impossível. Por esse motivo, nos trabalhos em andamento, o grupo tem usado como modelo vermes da espécie Caenorhabditis elegans.

“São organismos menos complexos, mas cujo genoma se assemelha ao humano em até 90% para algumas famílias de proteínas. Além disso, já existem ferramentas, como a genômica funcional, que permitem avaliar em larga escala a contribuição de cada gene na resposta adaptativa perante condições adversas. A idéia é caracterizar o impacto funcional dos genes envolvidos nos processos de divisão mitocondrial e mitofagia nas adaptações decorrentes do exercício físico”, contou o pesquisador.

O desafio agora, disse Ferreira, é validar uma metodologia que permita colocar os vermes para treinar.

O artigo Exercise reestablishes autophagic flux and mitochondrial quality control in heart failure pode ser lido em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/28598232.
http://agencia.fapesp.br/pesquisa_revela_como_o_exercicio_fisico_protege_o_coracao/25695/

Saúde

Brasil é exemplo de acesso universal a medicamentos de ponta para HIV

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Conheça a história de Welber, de 23 anos, de Ribeirão Preto, que descobriu que vivia com HIV no final do ano passado, um dia após o Natal. Após os temores iniciativas, o jovem descobriu que, com a terapia antirretroviral, ele conseguiria enfrentar o vírus. O Brasil investe 1,1 bilhão de reais no fornecimento do tratamento e adota procedimentos e medicamentos modernos para o HIV na rotina do SUS.

As festas que marcaram a virada de 2016 para 2017 tiveram um gosto amargo para Welber Moreira. O jovem de 23 anos descobriu um dia depois do Natal que estava vivendo com o HIV.

Ele conta que se sentiu doente e procurou uma clínica de saúde pública para obter respostas. O médico lhe fez uma pergunta que pegou o jovem de surpresa. “Ele me perguntou: ‘Posso ver seu resultado de teste de HIV mais recente?’”, conta. Welber nunca pensou que um vírus que ele estudou tempos atrás em uma aula de biologia mudaria sua vida um dia.

Foi então que o médico o encaminhou a um dos centros públicos de aconselhamento e testagem de sua cidade natal, Ribeirão Preto, no norte de São Paulo. No local de atendimento, o rapaz fez um teste rápido de HIV. Seu diagnóstico positivo foi confirmado por um segundo exame.

“Chorei pra caramba na frente dela (a enfermeira) e ela falou ‘calma, não é assim!’. Mas eu não via uma saída. Eu achava que eu ia morrer, não conhecia sobre a doença, não sabia como era o tratamento, eu só sabia que HIV era AIDS e AIDS matava. E a AIDS ia me matar e eu ia ficar doente, e ia ficar na cama, ia ficar fedendo, ia depender das pessoas e ninguém ia me amar mais”, lembra Welber sobre o momento do diagnóstico.

“E eu assim, em desespero: eu tenho uma namorada e estava junto com ela quando eu descobri. Eu tinha que informar a ela que eu estava com HIV porque a gente tinha relação sexual sem camisinha.”

Sua namorada teve resultado negativo para o HIV. Ela começou a tomar a profilaxia pós-exposição — ou PEP, um tratamento de prevenção de 28 dias —antes mesmo de Welber começar a terapia com antirretrovirais.

Mas algo mais o deixou preocupado. “Eu estava muito assustado e com medo dos efeitos colaterais”, afirma. Surpreendentemente, o jovem se sentiu bem desde o início do tratamento. Agora, antes de ir para a cama, ele toma duas pílulas à noite. “Não consigo imaginar como era no passado, ter que tomar várias pílulas por dia em momentos diferentes e com efeitos colaterais desagradáveis.”

Welber está entre os mais de 100 mil brasileiros que irão iniciar este ano o tratamento com um novo medicamento contra o HIV. Chamado dolutegravir (DTG), o remédio tem menos efeitos colaterais e é mais eficaz na supressão viral. No início de 2017, o Ministério da Saúde do Brasil anunciou que negociou com sucesso a compra desse medicamento, obtendo um desconto de 70% — o que reduziu o preço por comprimido de 5,10 dólares para 1,50 dólar.

Como resultado, mais pessoas poderão ter acesso ao dolutegravir dentro do orçamento de 2017 aprovado para o fornecimento de tratamento no país. O montante investido pelo Brasil é de 1,1 bilhão de reais.

Welber é grato pelo apoio que recebeu de sua namorada e pela eficiência da clínica e do centro de atendimento. Isso, segundo ele, o ajudou a superar o trauma inicial. Falar de HIV e revelar sua sorologia não mais incomoda o rapaz. Ele conta que fala abertamente sobre isso para seus amigos e no trabalho. Uma pequena parte de sua família não recebeu muito bem a notícia, mas o jovem não perdeu a esperança.

Ele tem grandes planos com sua namorada. “Nós planejamos ter dois filhos, dentro de três anos”, diz.

Welber também disse sentir que tem que ajudar os outros. “Sempre que posso, por exemplo, eu passo na clínica de saúde local e pego alguns preservativos para os meus colegas do trabalho e meus amigos”, conta. “É uma oportunidade para compartilhar com eles o que eu conheço e falar sobre prevenção.”

A ONU e o combate ao HIV

A história de Welber faz parte de uma série sobre os vínculos entre a epidemia de HIV e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) das Nações Unidas. Conheça a série clicando aqui. Entre as metas acordadas pelos Estados-membros da ONU, está a erradicação da epidemia como ameaça de saúde pública até 2030.

A ampliação do tratamento de HIV nos países de baixa e média renda nos últimos 15 a 20 anos é uma das maiores histórias de sucesso da saúde global. Na África Subsaariana, ao final de 2002, apenas 52 mil pessoas estavam sob tratamento. Com o aumento na produção e no uso total das flexibilizações de patentes, o número de indivíduos em terapia cresceu para 12,1 milhões em 2016.

No Brasil, quando o governo concedeu acesso universal aos medicamentos antirretrovirais em 1996, o curso da epidemia a nível nacional mudou, e as taxas de sobrevivência aumentaram notavelmente. Previsões sobre as mortes relacionadas à AIDS em larga escala nunca se concretizaram. O Sistema Único de Saúde (SUS) continua a demonstrar liderança na resposta ao HIV, incorporando nos serviços de rotina as tecnologias médicas e científicas mais avançadas para o tratamento do vírus.

A história de Welber nos diz o quanto o ODS de nº 9 — construir infraestruturas resilientes, promover a industrialização inclusiva e sustentável e fomentar a inovação — está associado à ampliação do acesso equitativo aos medicamentos, bem como ao progresso para acabar com a epidemia de AIDS até 2030.

https://nacoesunidas.org/brasil-e-exemplo-de-acesso-universal-a-medicamentos-de-ponta-para-hiv/?utm_source=feedburner&utm_medium=email&utm_campaign=Feed%3A+ONUBr+%28ONU+Brasil%29

Saúde

Transtorno disfórico pré-menstrual: a ‘super TPM’ que leva algumas mulheres à internação psiquiátrica

Saúde

ANS propõe que planos passem a cobrir 15 novos procedimentos

Proposta estará em consulta pública até 26 de julho. Documento prevê inclusão de medicamento contra esclerose múltipla e exames novos para diagnóstico de câncer.

Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) colocou em consulta pública uma proposta para que os planos de saúde passem a cobrir 15 novos procedimentos médicos.

Entre as inclusões, estão o tratamento de câncer de ovário via laparoscópica e o exame de toxoplasmose em líquido amniótico. Além dos novos procedimentos, também há propostas de alterações de diretrizes de utilização já existentes, como o uso do medicamento natalizumabe para tratar esclerose múltipla.

A proposta de revisão do Rol de Procedimetnos e Eventos em Saúde estará em consulta pública até o dia 26 de julho e deve entrar em vigor em 2018. Ela foi elaborada a partir de 171 solicitações de alteração do Rol discutidas por um grupo técnico.

Veja a lista de propostas de incorporação:

PROCEDIMENTOS AMBULATORIAIS

  • ALK – Pesquisa de mutação: Exame para detecção de proteína que pode estar presente em pacientes com câncer de pulmão que auxilia na definição do melhor tratamento a ser ofertado ao paciente.
  • Angio-RM arterial de membro inferior: Exame diagnóstico não invasivo realizado em equipamento de ressonância magnética para análise das artérias dos membros inferiores.
  • Angiotomografia arterial de membro inferior: Exame diagnóstico não invasivo realizado através de tomografia computadorizada para análise das artérias dos membros inferiores.
  • Aquaporina 4 (Aqp4) – pesquisa e/ou dosagem: Exame para detecção de anticorpos antiaquaporina que auxilia na diferenciação entre a neuromielite óptica e a esclerose múltipla.
  • Elastografia hepática ultrassônica: Exame não invasivo para o diagnóstico da fibrose hepática.
  • Radiação para cross linking corneano: Procedimento para tratamento do ceratocone (doença que afeta a córnea).
  • Ressonância magnética (RM) fluxo liquórico: Exame diagnóstico não invasivo para quantificar o fluxo do líquido cefalorraquidiano (LCR).
  • Terapia imunoprofilática com Palivizumabe para o vírus sincicial respiratório (VSR): O palivizumabe é uma imunoglobulina ou anticorpo específico que atua contra o vírus sincicial respiratório (VSR).
  • Toxoplasmose – Pesquisa em Líquido Amniótico por PCR: Teste específico e sensível para diagnóstico da toxoplasmose.

PROCEDIMENTOS HOSPITALARES

  • Ablação percutânea por radiofrequência para tratamento do osteoma osteóide: Procedimento orientado por métodos de imagens, que se utiliza de agulhas especiais para provocar dano celular por ação térmica a células de tumor ósseo benigno.
  • Cirurgia laparoscópica do prolapso de cúpula vaginal: Procedimento para restaurar o suporte pélvico.
  • Neossalpingostomia distal laparoscópica (exceto para reversão de laqueadura tubária): Procedimento para desobstrução, por laparoscopia, das tubas uterinas.
  • Recanalização tubária laparoscópica (exceto para reversão de laqueadura tubária): Procedimento para restaurar, por laparoscopia, a permeabilidade das tubas uterinas.
  • Refluxo vésico-ureteral tratamento endoscópico: Tratamento endoscópico para corrigir o refluxo vesicoureteral, visando preservar a função renal, minimizando o risco de pielonefrite.
  • Tratamento de câncer de ovário (debulking) via laparoscópica: Ressecção/debulking de massa tumoral maligna ovariana por via laparoscópica.

http://g1.globo.com/bemestar/noticia/ans-propoe-que-planos-passem-a-cobrir-15-novos-procedimentos.ghtml