Destaque UPpharma – Mario Grieco – Cultivo do Cannabis medicinal no Brasil – Discussões avançam e empresas já se preparam para explorar o mercado

Utilizada para fins medicinais em muitos países, a Cannabis tem ganhado força no Brasil. Enquanto não vem a regulamentação para cultivo da planta para fins terapêuticos, laboratórios já se preparam para atuar
nesse mercado milionário.

O desenvolvimento e a produção de medicamentos à base de Cannabis no Brasil é um assunto que sempre gerou discussões calorosas e está envolto de muita polêmica. Há quem é a favor do uso da substância na medicina e há quem é contra. Mas o fato é que há anos a Cannabis vem sendo utilizada para fins medicinais em muitos países com segurança e eficácia. No Brasil, já há legislação autorizando o plantio, porém, falta ainda uma regulação específica.

O tema tem ganhado mais força, permeando debates nas mais variadas esferas, inclusive no Congresso. Enquanto o Governo e a Anvisa decidem em relação à regulamentação ou não do cultivo da planta para fins terapêuticos, existem laboratórios nacionais e multinacionais que já se preparam para atuar nesse mercado, avaliado em US$ 2 bilhões,
apenas no Brasil.
Mario Grieco, médico de formação e executivo de larga experiência na indústria farmacêutica, que já esteve à frente de importantes companhias no País, como Bristol-Myers Squibb, Pfizer, Monsanto, entre outras, é hoje uma das personalidades mais relevantes na busca pela consolidação deste mercado. Por meio de sua companhia, voltada para
a medicina personalizada e medicamentos, o Grupo Life, Grieco está conduzindo as operações brasileira e latino-a- mericana de um dos mais importantes grupos norte-americanos especializados em Cannabis medicinal.
Segundo Grieco, os planos da nova empresa envolvem o cultivo no País e a construção de uma fábrica para produção
de medicamentos, cujos investimentos no Brasil devem chegar a R$ 50 milhões. O executivo explica que o uso de medicamentos à base de Cannabis é permitido pela Anvisa em situações excepcionais. Porém, como não há produção por aqui, os produtos precisam ser importados. A permissão para importação ocorreu recentemente – mais precisamente em 2014 –, quando os pais da menina Anny, de 5 anos, que sofria de epilepsia refratária, uma doença de difícil tratamento, obtiveram na Justiça brasileira a autorização para importar o canabidiol (CBD) – que tem substâncias derivadas da maconha.  Estados Unidos, onde o produto é legalizado. Estima-se que esse mal atinja
cerca de 700 mil brasileiros. Anny foi a primeira paciente a conseguir o direito de importação e teve seu caso apresentado no documentário chamado Ilegal. Após esse episódio, o assunto ganhou notoriedade e, desde então, vários pedidos de importação foram solicitados à Justiça por pacientes e familiares. Até hoje, mais de sete mil pessoas já obtiveram autorização da Anvisa para importar o CBD no Brasil. O canabidiol é um dos mais de mil componentes químicos canabinoides encontrados na Cannabis sativa (um tipo de Cannabis), e que compõe grande parte da planta. Diferentemente do canabinoide THC (tetrahidrocanabinol), o canabidiol não produz euforia nem possui propriedades psicoativas. No Brasil, o CBD já pode ser prescrito por médicos para fins específicos. Em 2015, a Anvisa remanejou a substância para a Lista C1 do Controle Especial – que deixou de fazer parte do rol de componentes proscritos (proibidos) –, legalizando seu uso para fins terapêuticos. Isso abriu caminho à flexibilização da importação de medicamentos contendo essas substâncias em caráter de excepcionalidade, o que levou à elaboração da RDC 17/2015, que definiu os critérios e os procedimentos para a importação de produtos à base de canabidiol em associação com outros canabinoides, mediante prescrição de profissional legalmente habilitado.

Eficaz para mais de 40 doenças
Apesar do número crescente de pacientes que solicitam à Justiça a autorização para importação, a regulamentação está demorando a sair. “O problema é que as pessoas, muitas vezes, podem importar produtos sem garantia de procedência. Com a regulamentação do cultivo e produção no Brasil, a Anvisa fiscalizaria todos os processos, assegurando a qualidade do produto”, comenta Grieco. Segundo ele, diversos países, além dos Estados Unidos, já fazem uso da substância para fins medicinais, como Alemanha, Dinamarca, Espanha, e até mesmo nossos vizinhos,
como Chile, Argentina e Colômbia. O fato é que existem muitas evidências científicas comprovando os benefícios da Cannabis medicinal no tratamento de muitas enfermidades – mais de 40, segundo estudos –, sendo, em muitos casos, a melhor opção quando comparada a outros medicamentos. A erva tem se mostrado eficaz nos tratamentos da dor crônica, ansiedade, náuseas, vômitos, perda de apetite, obesidade, efeitos colaterais da quimioterapia, trauma cerebral, câncer, danos cardiodiabéticos, depressão, hepatotoxidade, artrite, doenças autoimunes, estresse pós-traumático, além de alterações degenerativas do cérebro, síndrome metabólica, epilepsia, insônia, osteoporose, neuropatia, psicoses, infecções, espasmos musculares e diversas outras, neurodegenerativas, como Alzheimer
e Parkinson. Também é atribuída às propriedades da substância a diminuição do uso de analgésicos e opiaceos. No Canadá, por exemplo, a Cannabis tem sido um grande aliado no tratamento de crises de overdoses de opioides e outros transtornos por uso de substâncias. Dr. MJ Milloy, líder no campo da epidemiologia e o primeiro professor da Canopy Growth para ciências da Cannabis na Universidade British Columbia, tem conduzido ensaios clínicos para explorar o papel que a Cannabis pode desempenhar para ajudar pessoas com transtornos de uso de opioides a permanecerem em seu plano de tratamento. Vale lembrar que esse é um problema sério no Canadá e também nos Estados Unidos. Estima-se que nos primeiros nove meses de 2018, 1.143 pessoas morreram de overdose de opioides na região de British Columbia, no Canadá.

“Com a regulamentação, conseguiríamos desenvolver medicamentos com custos mais baixos, levando mais opções
eficazes e inovadoras de tratamentos para pacientes que sofrem de várias enfermidades.”
Mario Grieco

Como epidemiologista, as pesquisas do Dr. MJ Milloy focam nas inter-relações entre drogas ilícitas e HIV, assim como o impacto da regulamentação da Cannabis na saúde pública e a aplicação médica da Cannabis e dos canabinoides, especialmente para pessoas vivendo com HIV ou transtornos por uso de substâncias. Pesquisas mostram que menos de um terço das pessoas que iniciam terapias com antagonistas de opioides (OAT), como
metadona ou buprenorfina/naloxona, permanecem em tratamento após seis meses. Abandonar o tratamento da dependência é um sério risco de morte por overdose. As descobertas desses ensaios clínicos podem ajudar a identificar maneiras de melhor apoiar as pessoas com estes transtornos, por meio de medicamentos à base de Cannabis. O trabalho do Dr. Milloy trará uma importante contribuição para novas evidências, sugerindo que a Cannabis pode ter um impacto positivo no bem-estar das pessoas com transtorno de uso de opioides.
Estudos clínicos.No Brasil, será preciso vencer algumas barreiras, principalmente em relação ao cultivo, até que a Anvisa autorize a produção. Segundo Grieco, algumas empresas conseguiram, via mandado judicial de segurança, a autorização para o cultivo da planta. Além disso, também já existem decisões da Justiça brasileira que autorizam
famílias a cultivarem maconha para tratar doenças. Mas, na visão do empresário, a regulamentação, ou seja, a criação de regras que determinem quem, como e onde o cultivo pode ser realizado, é o melhor caminho. “Vale lembrar que a substância é usada há mais de 12 milhões de anos e já existem inúmeros estudos científicos que comprovam a sua eficácia”, ressalta. De acordo com Grieco, no Brasil, dois estudos clínicos serão iniciados para uso
da substância no tratamento de epilepsia e de pacientes terminais de câncer. O grupo também pretende realizar estudos clínicos com a Cannabis. Para tanto, a empresa espera contar com a experiência de renomados cientistas brasileiros e de referência internacional no estudo de drogas, que, desde a década de 1960, vêm se dedicando a estudar as propriedades do CBD na medicina. Entre os anos 1970 e 1980, um grupo de pesquisadores publicou mais de 40 trabalhos em revistas científicas internacionais. Os resultados, juntamente com as investigações de outros profissionais, possibilitaram o desenvolvimento no exterior de medicamentos à base de Cannabis sativa, utilizados atualmente em vários países do mundo para tratamento da náusea e dos vômitos, causados pela quimioterapia do câncer, para melhorar a caquexia (enfraquecimento extremo) de doentes com HIV e câncer e para aliviar alguns tipos de dores. “Se voltarmos 100 anos na história, veremos que a maioria das drogas hoje proibidas era antes liberada. A Cannabis era legal. Mas, por alguma razão, mudou-se a lei. Difícil acreditar que há quase 80 anos uma comissão de experts tomou a decisão que álcool e tabaco eram menos perigosos que a Cannabis e, portanto, essas
seriam legais e a Cannabis ilegal. Vivemos hoje o mito que essas leis são fundadas em justiça e na proteção da saúde pública, quando essas leis são fundadas na ignorância e no preconceito”, observa Grieco. Por outro lado, o executivo também defende o tratamento personalizado com a Cannabis medicinal. Ele lembra que cada paciente é geneticamente diferente. Além disso, a interação do extrato da planta com todas as substâncias que interagem
entre si e interagem com o paciente pode levar a se ter respostas totalmente distintas de um paciente para o outro.
Produtos no Brasil Atualmente, o único medicamento à base de Cannabis aprovado pela Anvisa é o Mevatyl,
um produto sintético, registrado no Brasil, em 2017, pela Ipsen Farmacêutica. O medicamento é vendido em mais de 20 países sob a marca Sativex. Indicado para tratamento da espasticidade e esclerose múltipla, o produto tem um alto custo: é vendido a cerca de R$ 2,5 mil o frasco. No ano passado, a Prati-Donaduzzi também registrou o primeiro remédio 100% à base de canabidiol, que deve ser lançado neste ano. Trata-se do Myalo, indicado para epilepsia refratária, desenvolvido em parceria com a Faculdade de Medicina da USP de Ribeirão Preto (SP). Segundo a empresa, a ideia é reduzir o custo do tratamento. Para tanto, a Farmacêutica já dispõe de estrutura industrial para produção do fármaco no complexo de Toledo (PR). Para produção, o laboratório também
faz importação do o canadibiol. “Com a regulamentação, conseguiríamos desenvolver medicamentos com custos mais baixos, levando mais opções eficazes e inovadoras de tratamentos para pacientes que sofrem de várias enfermidades”,complementa Grieco.
O executivo acredita que a Anvisa já está sendo pressionada por empresas e investidores que desejam explorar esse mercado no Brasil. A gestão anterior da Agência, conduzida por Jarbas Barbosa, apesar de não ter aprovado a regulamentação, já vinha se mostrando favorável à busca por uma solução para esse imbróglio. “A regulamentação
deve sair. É uma questão de tempo. Existe a questão política, mas os debates estão avançando. A regulamentação
será muito positiva para a economia brasileira e também para reduzir o custo de produtos à base de canabidiol”, avalia. Atualmente, o Grupo Life já está estudando locais para construção de uma fábrica e iniciar futuramente o cultivo no Brasil.
“É um investimento que o Governo tem de perceber como de potencial de desenvolvimento econômico, já que teremos tecnologia avançada, ou seja, algo de primeiro mundo”, frisa.
A preferência é pela região Sudeste, mas o Nordeste também é uma boa opção para cultivo da planta. A empresa
também está estruturando escritórios e área de armazenamento, além de um laboratório de controle de qualidade na
capital paulista.
“Infelizmente, a Anvisa segue normas antigas, da Convenção da ONU, que caracteriza a Cannabis como droga e proíbe o uso. Já estamos criando uma associação com empresas que querem trazer a Cannabis para o Brasil, a fim de ganharmos mais força em Brasília. É uma pena que um País que é líder em tecnologia agrícola, fique na rabeira de nações onde o cultivo da Cannabis medicinal é uma realidade faz tempo”, compara Grieco. Apesar da demora e da burocracia que envolvem a liberação do cultivo, Grieco se diz animado com o avanço das articulações sobre o tema. Na tentativa de levar mais informações para médicos e a população sobre o assunto, Grieco está desenvolvendo um livro, que se encontra em fase de conclusão.
O objetivo é ajudar as pessoas a entenderem melhor a Cannabis medicinal, sua utilização como medicamento e suas várias aplicações. “Como médico, venho, há muito, acompanhando a descoberta de medicamentos inovadores e a literatura médica especializada, bem como os benefícios inquestionáveis da Cannabis medicinal, razão pela qual me levou a escrever o livro. Estou totalmente convencido da eficácia terapêutica da Cannabis e de seu uso em inúmeras enfermidades. Como médico, sempre tive a missão de melhorar a qualidade de vida dos meus pacientes. Com a regulamentação da Cannabis medicinal no Brasil, terei a possibilidade de ajudar milhares de pacientes”, finaliza.